Afonso Poyart. O último brasileiro a seduzir Hollywood

Aos poucos, os EUA rendem-se aos realizadores (e aos atores) do Brasil.
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Começou a carreira na viragem do milénio a realizar anúncios para uma minúscula pet-shop de Santos, a sua cidade natal, 100 quilómetros a sul de São Paulo. No ano passado dirigiu Anthony Hopkins e Colin Farrell no filme Solace, um thriller de Hollywood com aspirações a recordista de bilheteira. A meteórica carreira de Afonso Poyart, de 37 anos, é uma história em si mesma. Mas está incluída noutra: a história da descoberta da matéria-prima brasileira pelos produtores da grande indústria cinematográfica norte-americana.

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Poyart recorda que quando fez os anúncios da pet-shop a computação gráfica, atividade a que se dedicava, tinha o apelo de uma apresentação de powerpoint. Agora usou o luxo de ter o seu próprio trailer enquanto editou Hopkins, o galês vencedor do Óscar de melhor ator em Silêncio dos Inocentes, de 1992, ou Farrell, o irlandês que levou o Globo de Ouro por Em Bruges, de 2008. "Mas o esquema linha de produção de Hollywood era perfeito demais, sem emoção", queixa-se - de barriga cheia - o ex-publicitário de Santos ao jornal Folha de S. Paulo.

Depois da pet-shop, Poyart trabalhou em anúncios de dois gigantes nacionais, a Boticário e o Burger King, na época ainda empresa norte-americana mas hoje propriedade de magnatas brasileiros, antes de produzir videoclips para artistas como Felipe Dylon ou a extinta banda Charlie Brown Jr. Seguiu-se a primeira experiência no cinema com a curta-metragem Eu Te Darei o Céu, de 2005, premiada em dois festivais, até chegar à longa-metragem de 2012 2 Coelhos, em que se destacou pelo modo de filmar ágil e surpreendente.

Um agente nos EUA que já trabalhava com atores brasileiros foi alertado para a fita, viu, gostou e convidou Poyart. O próximo projeto do jovem cineasta está em fase de produção e chama-se Mais Forte que o Mundo, sobre José Aldo, lutador brasileiro de MMA e que se espera seja um blockbuster no Brasil - e não só.

Sobre o conteúdo de Solace, as críticas não são muito entusiasmadas, classificando-o como um sub-produto de Seven, de David Fincher, com Farrell a assumir o papel de serial killer e Hopkins de psiquiatra que ajuda a polícia a persegui-lo.

Novato, Poyart conta ainda ao jornal Folha de S. Paulo detalhes da relação com as estrelas com quem lidou, como quando Hopkins teimou em fazer uma cena a mascar pastilha para depois admitir que ficou "uma merda" e decidir refazê--la; ou o pequeno-almoço que partilhou com o galês, que come peixe cozido pela manhã.

Uma tendência

Realizadores como José Padilha, Walter Salles, Fernando Meireles ou Bruno Barreto já não se deixam surpreender com os hábitos e os egos dos astros de Hollywood - têm longa experiência hollywoodesca.

E não só: Heitor Dhalia realizou 12 Horas, com Amanda Seyfried, e Hector Babenco (nascido na Argentina mas brasileiro de adoção) dirigiu Jack Nicholson e Meryl Streep em Estranhos na Mesma Cidade e o aclamado O Beijo da Mulher-Aranha, de 1985, entre outros casos esporádicos.

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O flirt entre os gigantes norte e sul-americano começou, porém, com uma portuguesa de Várzea de Ovelha e Aliviada, pequena freguesia do concelho de Marco de Canaveses: a incontornável Carmen Miranda, que nos 40 do século passado chegou a ser a estrela feminina mais bem paga de Hollywood.

Em 1981, um ícone brasileiro, o futebolista Pelé, usou a sua fama internacional para participar em Fuga para a Vitória, filme de culto dos amantes do futebol, com Michael Caine e Sylvester Stallone nos principais papéis. Anos mais tarde, Gisele Bündchen, como Pelé, também transitou de área - da moda para a atuação fugaz em O Diabo Veste Prada.

Sónia Braga, para os portugueses mais conhecida por ser a intérprete de Gabriela, novela inspirada no romance de Jorge Amado Gabriela, Cravo e Canela, tem até dupla nacionalidade (brasileira e americana), tal é a extensão da sua carreira em Hollywood, desde o filme O Beijo da Mulher-Aranha, a participações até em episódios da série Sexo e a Cidade. Alice Braga, sua sobrinha, também trabalha mais em solo norte-americano do que brasileiro.

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Rodrigo Santoro, primeiro, e Wagner Moura, depois, têm sido as principais presenças masculinas no seleto mundo do cinema dos EUA.

Até chegarmos a Poyart, que começou por filmar cães e gatos em Santos, e hoje trata Sir Anthony Hopkins por tu.

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