Afinal, o "western" não desapareceu da paisagem de Hollywood
Será que o western ainda existe? E resiste? São perguntas mais ou menos nostálgicas, ciclicamente formuladas pelos cinéfilos que não esquecem os títulos gloriosos de John Ford, Howard Hawks ou Anthony Mann. Por vezes, obtendo respostas inesperadas, desconcertantes, em que a nostalgia surge contaminada pela vontade de emprestar ao western um renovado valor simbólico. Assim acontece com Custe o Que Custar (estreia hoje), filme americano realizado pelo escocês David Mackenzie.
O efeito é, no mínimo, paradoxal. Tudo se passa no coração do Texas, no condado de Midland, com as suas cidadezinhas cansadas e poeirentas, o horizonte sereno e inacessível. Não falta um par de assaltantes de bancos (Chris Pine e Ben Foster), roubando apenas notas não marcadas, e o xerife e o seu ajudante de origem índia (Jeff Bridges e Gil Birmingham), tentando montar uma estratégia para apanhar os bandidos em flagrante... Só que já não há cavalos, mas automóveis - esta é, afinal, uma história dos nossos dias, encenada num contexto paisagístico e simbólico que nos remete, ponto por ponto, para as memórias clássicas de Hollywood.
Com argumento do ator Taylor Sheridan (também com um pequeno papel no filme), Custe o Que Custar ilustra um propósito criativo que temos podido encontrar em diversas zonas da mais recente produção made in USA. Trata-se de retomar algumas das matrizes dramáticas dos géneros que fizeram a glória de Hollywood, deslocando-as para a nossa atualidade e, quase sempre, expondo as vivências de uma América esquecida, interior, sem glamour, através de uma perturbante intensidade realista. Vale a pena recordar, a propósito, que Sheridan se estreou como argumentista em Sicario (2015), o thriller de Denis Villeneuve sobre o tráfico de drogas na fronteira México/EUA.
Daí a ambivalência temática e emocional que Custe o Que Custar instala: estamos, afinal, perante um presente recheado de passado. Na sua abordagem crítica do filme, Jeannette Catsoulis (The New York Times, 11 agosto) resumiu exemplarmente o seu impacto, escrevendo: "O cenário parece ter ficado congelado no tempo, mas o declínio económico que dá a ver não poderia ser mais contemporâneo."
A herança de Peckinpah
O título original Hell or High Water é uma expressão idiomática que não corresponde exatamente à ideia de Custe o Que Custar. Uma variante provavelmente mais adequada seria "Faça Chuva ou Faça Sol". A diferença não é meramente estilística: Custe o Que Custar sugere que alguém vai agir no sentido de consumar um determinado ato; por sua vez, "Faça chuva ou Faça Sol" implica a ideia de que algo vai obrigatoriamente acontecer, mesmo que os protagonistas resistam à sua possibilidade.
Dito de outro modo: o filme de David Mackenzie ilustra uma sensibilidade temática e, em última instância, uma postura moral que constata, com desencanto, o fim de uma América que viveu em paz com a sua mitologia, em particular com as glórias épicas do western mais tradicional.
Nesta perspetiva, podemos definir Hell or High Water como um herdeiro tardio, mas totalmente legítimo, de toda uma reconversão crítica do western que teve lugar ao longo das décadas de 1960/70, aliás envolvendo também alguns autores clássicos - recorde-se, por exemplo, que um dos títulos finais de John Ford, O Grande Combate (1964), foi pioneiro na reavaliação dramática e política da imagem tradicional dos índios. Em qualquer caso, esse é um processo em que Sam Peckinpah emerge como personalidade fundamental, em particular através de obras como Os Pistoleiros da Noite (1962), A Quadrilha Selvagem (1969) ou Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (1974), este último também um western em cenários do presente.
Na corrida aos Óscares e, de um modo geral, aos prémios que vão começar a ser atribuídos por diversas entidades do meio artístico e jornalístico, Hell or High Water parece ter mais possibilidades nas categorias de interpretação e argumento, sem esquecer a banda sonora original assinada por Nick Cave e Warren Ellis. Em qualquer caso, o simples facto de encontrarmos um filme como este na lista de potenciais candidatos é significativo de uma curiosa contradição. Assim, ao longo do ano, na linha da frente da indústria de Hollywood continuámos a encontrar as superproduções mais ou menos dependentes de sofisticados efeitos especiais; ao mesmo tempo, quando se trata de celebrar os valores mais viscerais do cinema americano, é bom encontrar um filme como este, tão "anacrónico" e também tão genuíno.