Afinal, o chocolate não é afrodisíaco

Mestre chocolateiro, Georges Richani está em Portugal a apresentar a sua arte e as suas criações. E também a desfazer alguns mitos sobre o chocolate
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Há 39 anos que Georges Richani anda em bolandas com o chocolate. Nascido numa família libanesa com negócios nas pastelarias, o caminho para o maître chocolatier parecia traçado desde cedo. Mesmo assim, ainda teve um "deslize" na Arqueologia.

"Sou do sul do Líbano, uma região rica em história, e como cidadão desta região gosto de tudo o que tem a ver com línguas antigas, e de tentar perceber o que vem na Bíblia", conta Georges Richani, chocolatier da Néstle, que está em Portugal para apresentar produtos criados por si.

Porque é isso que faz um chocolateiro - criar. Verdadeiros experts em todo o processo, desde a fabricação ao produto final, estudam tudo o que há a saber sobre a iguaria. O chocolatier é um especialista na criação de receitas que tenham o chocolate como base.

Por ser conhecedor da história do produto, Georges Richani não hesita em deitar por terra um dos grandes mitos sobre o chocolate - o que diz que é um alimento afrodisíaco. E, por isso, é perentório a afirmar que o chocolate não tem qualquer efeito no estímulo sexual. O mito, afirma, vem dos tempos em que as civilizações incas e astecas moíam os grãos para extrair o licor de cacau e lhe juntavam uma série de especiarias. As propriedades afrodisíacas, garante, estavam nesse "tempero".

Qual é então o segredo de um chocolatier? "O segredo de um bom produto passa pela seleção dos ingredientes - só isso fará o melhor chocolate -, desde os grãos de cacau ao açúcar que deve ser puro." Georges prova tudo para ter a certeza de que está a trabalhar com ingredientes de excelência - ao fim de um dia de trabalho, entre as várias provas que vai fazendo, já ingeriu cerca de 200 gramas de chocolate. Por isso, durante o dia abstém-se de fazer refeições, toma apenas o pequeno-almoço e o jantar. Mas 200 gramas diárias de chocolate não lhe afetam o físico, daí arriscar dizer que não engorda.

À qualidade dos produtos, soma-se o savoir-faire e a mestria. E depois a capacidade para equilibrar e manter os sabores para que o sabor seja sempre igual. Não se pode provar um determinado produto, de uma determinada marca, e encontrar um sabor diferente. Além de que se um produto é publicitado como floral ou frutado deve obrigatoriamente ter estes componentes.

Por fim, mas não menos importante, o chocolatier deve dar um pouco de si, fazer o seu trabalho com o coração e sentimento.

Georges Richani, que também tem nacionalidade suíça, vai trabalhando o chocolate que dali a menos de meia hora será uma tablete enquanto fala sobre a sua profissão e tudo o que o inspira para criar mais e mais. Por exemplo, quando chegou a Lisboa viu um anúncio da McDonald's que apresentava um hambúrguer em forma de noz. Daí já lhe veio a ideia de criar uma iguaria com esse formato, porque considera que é o que melhor se adapta à boca humana e permitirá a quem a provar acionar da forma mais eficaz as papilas gustativas.

Chocolate e doces são a sua especialidade. Em casa até pode fazer uma refeição mas não entra "em aventuras". Deixa isso para a mulher. Mas se há convidados, é sempre Georges que faz a sobremesa. Disso não abdica.

E desafiado a sugerir um menu completo em que o chocolate esteja sempre presente, não tem dúvidas que fica muito bem em pratos de caça - "adicionar licor de cacau ao molho dá um excelente gosto"; também vai bem com tomate recheado com carne e cebola, com os grãos picados por cima. Se o prato for peixe, ficam bem com vieiras. Georges chegou a fazer uma experiência numa fábrica de salsichas com os grãos de cacau e hoje o produto está a ser comercializado.

Um processo que pode durar 72 horas

Desde que se inicia o processo de mistura e refinação até ao chocolate estar pronto para ser modelado podem passar até 72 horas - e, explica Georges Richani, acontece ter de se levantar durante a noite para se certificar de como está a correr dentro dos parâmetros normais.

O processo obedece a regras muito específicas. Depois da seleção, torrefação e moagem dos grãos, e em função do tipo de chocolate que se pretende obter, os ingredientes são colocados numa misturadora e, de seguida, refinados. Nesta etapa, a pasta de cacau vai para uma máquina chamada concha, uma batedeira gigante que pode misturar entre seis a nove toneladas de chocolate. Esta fase é essencial para que o chocolate fique mais leve, homogéneo e com uma textura mais sedosa. É nesta fase que se apuram os aromas característicos do chocolate - chama-se conchagem.

Segue-se a temperagem. Ou seja, quando o líquido passa por ciclos de aquecimento e arrefecimento com um controlo metódico de temperatura. O que permite que o chocolate estabilize e se obtenha o seu aspeto brilhante. O chocolate também fica mais resistente, para que derreta apenas na boca, em temperaturas próximas à do corpo humano.

O final da linha é a moldagem, quando os mestres chocolateiros moldam o chocolate nos formatos que conhecemos.

E há verdadeiras obras de arte feitas em chocolate. Georges Richani mostra no Pinterest algumas que têm a sua assinatura e, com orgulho, um coração que ofereceu à mãe no Dia da Mãe. "Que outra coisa se pode oferecer a uma mãe senão um coração?"

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