Afinal, de quantos"conceitos" se faz a Segurança?
Foi recentemente constituída uma comissão liderada por Severiano Teixeira - a quem se deseja todas as venturas - para elaborar o novo conceito estratégico de Defesa Nacional.
É uma justa imposição da LDN a sua revisitação todos os 10 anos. Há muito a rever porque em 10 anos, nesta matéria, quase tudo mudou.
Por isso, pairam as maiores dúvidas acerca da utilidade de tal esforço se não for acompanhado por outras reflexões que a sedimentação progressiva do conceito de Segurança Nacional parece impor com urgência.
É verdade que em 2013, depois de um excelente estudo liderado pelo malogrado Luís Fontoura, se deu um salto doutrinal importante, que substanciou as opções do conceito de defesa nacional ainda vigente.
Mas já nessa altura se assinalavam os problemas de uma visão inadequada que a defesa nacional pode acusar se desconsiderar um conceito maior e superior, do qual é apenas uma parte, que é o conceito de "Segurança Nacional".
Não se trata - naquilo que então causou acrimónia - de "roubar" competências a ninguém, ou sequer "superiorizar" umas estruturas em relação a outras, como foi dito e até com alguma razão...
Trata-se, sim, de compreender que o desígnio de Segurança que o Estado deve prover vai muito para além da defesa nacional, por mais sofisticada que esta seja.
A Segurança, hoje, é bem mais do que isso, a começar pelo óbvio: ver a segurança como um direito fundamental dos cidadãos, perspetiva muitas vezes obnubilada pelo direito à liberdade, nunca se esquecendo a legitimidade da autoproteção individual através da segurança privada.
Só que a Segurança é também um atributo da soberania e, aqui, ela não se resume às tradicionais seguranças militar, policial, de investigação criminal ou mesmo de Estado - são todas as novas seguranças, que maravilhosamente se refletem no conceito de "Segurança Humana".
E essa foi a recente e amarga experiência de Portugal como comunidade política, governantes e governados, no tempo em que se procurou manter a segurança sanitária de todos.
Eis uma tarefa permanente, que agora assoma em mais fundas e preocupantes dimensões, como a segurança no ciberespaço - os ataques cibernéticos não param - ou a segurança energética, para já não falar das seguranças económica, desportiva ou ambiental.
Porventura a mais central, pela sua proverbial proximidade, acabará por ser a "Segurança Civil", que inclui não só os objetivos comuns da proteção civil, como outros objetivos específicos de socorro e salvamento no contexto da segurança comunitária.
As ameaças, os riscos e os perigos são múltiplos e têm assolado como nunca o nosso tempo, o tempo de uma "sociedade de risco", como dizia premonitoriamente o falecido Ulrich Beck, ainda que pensando apenas em desastres tecnológicos.
Não se crê que a construção eficiente e equitativa da Segurança Nacional se faça à custa de organogramas feitos em gabinetes de trabalho mais ou menos alheados da realidade, ainda que intelectualmente sobredotados.
Ou que esse desiderato se consiga ao retalhar ou extinguir estruturas de segurança consolidadas, como parece ser o triste e injusto fim do SEF, que muito deu a Portugal, que acabará sem glória.
Do que se carece é de um conceito estratégico de Segurança Nacional que possa elevar-se acima das idiossincrasias de cada setor, com capacidade para os articular; e sem que aniquile a sua identidade, consumada ao longo dos tempos, em função de circunstâncias diferentes, assim garantindo continuamente a proteção da comunidade e dos cidadãos à medida da evolução da História.
Muito se deseja que o bom-senso impere, o que supõe o respeito pela especialização funcional e habilitação constitucional de cada estrutura de segurança na sua pluralidade virtuosa, simultaneamente que se potenciam mecanismos de colaboração, e não se sobreposição ou de domínio entre si.
Constitucionalista e Presidente do OSCOT - Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo