Afinal, as sondagens mentem?
Ainda não li, mas vou ler, Por que mentem as sondagens, o último livro de Luís Paixão Martins, consultor em Comunicação do primeiro-ministro, António Costa. Trata-se, certamente, de um valioso contributo para questionarmos a validade da principal ferramenta de auscultação da opinião pública utilizada pelos políticos, sobretudo em campanha eleitoral. E no que nos toca, parece estarmos sempre nela ou à beirinha dela, ao arrepio das estações naturais da democracia.
Em democracia, os meios de comunicação são o lugar privilegiado onde a política se faz representar, o palco em que os agentes políticos atuam, o cenário onde podemos ver e avaliar, em permanência, o seu desempenho diário. Nós, o público, assistimos ao desenrolar da trama. Uns atuam - e não por acaso lhes chamamos atores políticos - outros observam. Com uma enorme diferença, agora que o público também se faz ver e ouvir através das redes sociais, onde se intromete permanentemente no tabuleiro político como mais um ator. Em geral, trata-se mais de uma irrupção barulhenta e pouco representativa, que acrescenta picante e outros temperos aos argumentos, do que refletir a verdadeira opinião dos cidadãos, o pulsar da cidadania. Pelo que não há outro caminho senão recorrer às sondagens, os estudos estatísticos obtidos por amostra considerada representativa.
Acontece com as sondagens que, ao serem apresentadas, o público deixa de ser plateia para passar a fazer parte do enredo, participante direto da ação. É o público que legitima e dá sentido ao espetáculo, mesmo quando é vulgar ouvir dizer que "as sondagens valem o que valem" e que "a melhor sondagem é a do voto no dia de eleições". Nenhum político as dispensa, porém, como se cada "barómetro" fosse essa espécie de coro grego que adverte ou repreende cada um dos protagonistas em palco, transformando as sondagens no principal instrumento de democracia aplicada entre períodos eleitorais. São, portanto, um instrumento de poder, um mecanismo de controlo capaz de diluir ou ratificar os argumentos dos partidos ou dar conta da atuação dos seus dirigentes, um espelho que permite aos políticos ver como se reflete a sua imagem e a dos seus adversários, e agir em conformidade.
Por mais que os profissionais das sondagens nos previnam que elas se limitam a recolher dados, a apresentar a fotografia de um determinado estado da opinião num específico momento, a verdade é que, uma vez tornados públicos, os resultados influenciam e impactam na realidade que refletem e, portanto, transformam-na. É por isso que todos querem ter as sondagens do seu lado, controlar o controlador. E é aqui que entra o elemento preocupante: a desconfiança, ou seja, a suspeita de que há quem faça um uso instrumental das sondagens, subordinando resultados aos diferentes interesses em conflito, sobretudo entre formadores de opinião, em particular nos media tradicionais.
Em mais de quatro décadas a lidar com sondagens, conheço as mais diversas empresas portuguesas que as fazem, cumprindo as regras cartilha legal, mesmo quando a dimensão da amostra encolhe com as limitações orçamentais de quem as encomenda. Mas são empresas certificadas, estão no mercado e são os primeiros interessados em não manchar a sua reputação, principalmente quando se trata de estimativas de votos. Em geral, porque haverá exceções, hão de preferir acertar em vez de satisfazer quem encomendou a sondagem.
Outra coisa é - e isso não é da sua responsabilidade - que a interpretação dos dados obtidos seja submetida a estratégias específicas, sejam políticas ou editoriais, que podem começar, desde logo, com as perguntas concretas que se fazem a cada cidadão entrevistado. Sabemos de sondagens mentirosas? Certamente, porque "até o diabo pode citar as Escrituras quando isso lhe convém", mas também sabemos que nenhuma mentira chega a envelhecer no tempo. E até por isso valerá a pena o livro de Paixão Martins.
Jornalista