As eleições presidenciais do Afeganistão, já por duas vezes adiadas, chegam neste sábado num dos piores momentos para o país. Não só voltam a extremar a divisão e pôr como adversários o presidente Ashraf Ghani e o primeiro-ministro Abdullah Abdullah, que após as denúncias de fraude nas eleições de 2014 e o mediar dos EUA chegaram a acordo para um governo de unidade, como se realizam após o cancelamento das negociações de paz entre Washington e os talibãs. O grupo islamita, afastado do poder em 2001, controla ou disputa mais de metade do país, ameaçando todos os que vão às urnas.."Estas presidenciais têm todo o potencial e a possibilidade de levar o país ainda mais para o abismo da crise, da insegurança e das divisões", alertou o ex-presidente Hamid Karzai, que liderou o país durante mais de uma década, de 2001 até 2014. Numa entrevista à AP, Karzai defendeu que as eleições só deviam ocorrer depois de um acordo de paz - apelando ao retomar do diálogo entre os EUA e os talibãs, mas que desta vez incluísse também o governo afegão e outros países, como Rússia e China - e da aprovação de uma nova Constituição. "Não podemos ter eleições num país que está a atravessar um conflito imposto pelos estrangeiros. Estamos numa guerra de interesses e objetivos internacionais. Não é o nosso conflito. Só estamos a morrer", disse..Fim do diálogo.Já havia um acordo de princípio entre os EUA e os talibãs quando o presidente norte-americano, Donald Trump, cancelou tudo a 8 de setembro. Depois de quase um ano a negociar com o grupo insurgente, responsável pela morte de mais de 2300 soldados norte-americanos, Trump decidiu que não haveria acordo sem um cessar-fogo e cancelou até uma visita dos talibãs a Camp David, onde o presidente Ghani também estaria presente. A decisão surgiu após um ataque que resultou na morte de 12 pessoas, incluindo um soldado dos EUA..O objetivo das negociações era permitir finalmente a retirada dos cerca de 14 mil militares norte-americanos do Afeganistão, uma promessa de campanha de Trump (como já tinha sido do antecessor, Barack Obama). Mas, para o governo afegão, nomeadamente para Ghani, parecia óbvio que Washington estava a virar as costas ao país onde, em agosto, em média, foram mortas 74 pessoas por dia em ataques (segundo os cálculos da BBC)..O presidente Ghani tem defendido a necessidade de eleições como forma de legitimar o governo e permitir que este se sente a uma futura mesa de negociações. Até agora, os talibãs não quiserem discutir com as autoridades afegãs, cuja legitimidade não reconhecem. E consideram as eleições "uma farsa"..Governo de unidade.O independente Ghani tornou-se presidente em 2014, após eleições marcadas pelas denúncias de fraude. O derrotado na segunda volta, por cerca de um milhão de votos, foi Abdullah Abdullah, que já tinha sido chefe da diplomacia de Karzai e concorrido em 2009. Com a mediação dos EUA, Ghani e Abdullah formaram um governo de unidade, no qual este último assumiu o cargo de diretor executivo ou CEO (como nas empresas), um primeiro-ministro com mais poderes..Cinco anos depois, os eleitores afegãos são chamados novamente às urnas numa espécie da repetição desse escrutínio. Há 18 candidatos (nas eleições anteriores foram 27), mas só dois têm hipótese de vencer: Ghani e Abdullah. Ambos acreditam ser possível rasgar o acordo que os obrigou a aparentar unidade e partilhar o poder, mas a repetição da fraude de outros anos poderá lançar o país no caos..Estas presidenciais foram por duas vezes adiadas, mas nem por isso há garantia de transparência. E as medidas tomadas para impedir a fraude não agradam a todos. As associações de direitos das mulheres criticam o facto de as autoridades eleitorais terem decidido que todos os eleitores têm de ser fotografados, para usar o software de reconhecimento facial e evitar fraudes. Isso poderá levar milhares de mulheres a não ir votar, especialmente nas zonas mais conservadoras onde elas cobrem o rosto fora de casa..Por outro lado, há o problema da segurança, com quase metade do país sob o controlo dos talibãs e qualquer região sob ameaça de ataques durante o escrutínio. A campanha ficou marcada por vários atentados, como o contra o hospital de Qalat, no sul do Afeganistão, que resultou na morte de 39 pessoas (houve ainda 140 feridos), ou os vários contra sedes de campanha de Ghani. As mortes não ocorreram só às mãos dos talibãs, com um drone norte-americano a matar 30 trabalhadores de uma quinta (em vez de um esconderijo insurgente) e um ataque das forças afegãs, apoiadas pelos EUA, a matar outras 35 numa festa de casamento..OS FAVORITOS.Ashraf Ghani Presidente desde 2014, tem 70 anos e é da etnia pastó (a maior do Afeganistão). Independente, trabalhou no Banco Mundial e foi ministro das Finanças..Abdullah Abdullah O primeiro-ministro do governo de unidade tem 58 anos e é tajique (segunda maior etnia). Líder da Coligação Nacional do Afeganistão, foi MNE.