Aeroportos. Tensão sobe entre PJ e PSP com substituição a "conta-gotas"
A primeira semana com a PSP a assumir o controlo das fronteiras aeroportuárias, resultado da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no passado dia 29 de outubro, revelou e acentuou tensões entre polícias desta força de segurança e os inspetores da Polícia Judiciária (PJ) - que eram do SEF - nos aeroportos, com destaque para o Humberto Delgado em Lisboa. Em causa está a substituição dos segundos pelos primeiros, que o ministério da Administração Interna (MAI) quer que se faça devagar, 50% até daqui a um ano e 100% em outubro de 2025.
Mas este "calendário" não agrada de forma alguma aos inspetores da PJ (ex-SEF) que viram o seu serviço acabar e anseiam por começar uma nova vida profissional sob a liderança de Luís Neves, o diretor nacional da Judiciária, e a tutela do ministério da Justiça.
Rui Paiva, presidente do antigo Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF (e que será o novo Sindicato do Pessoal de Investigação Criminal da PJ), que representa a maioria parte destes inspetores, é testemunha do desagrado com o "reforço a conta-gotas, em especial nas fronteiras aéreas", e confirma que querem sair destes postos "o mais rapidamente possível". A "gigantesca operação de cosmética" que tinha antecipado ao DN, a duas semanas da extinção, concretizou-se, a seu ver, com "os elementos da Polícia Judiciária a assegurar a esmagadora maioria do controlo operacional da fronteira aérea - excetuando-se o comando e um punhado de polícias da PSP colocados em cada turno, quando os há". Ao longo da semana, o DN recebeu vários testemunhos, com fotos e vídeos, a várias horas do dia, que davam conta da alegada ausência de agentes da PSP. "Só cá estão quando vêm as televisões", indicava uma dessas fontes.
Rui Paiva assinala ainda que, a par da "mudança exclusivamente cosmética, também agora a coordenação estratégica e tática da fronteira está entregue, em exclusivo, aos inspetores da Polícia Judiciária". Rui Paiva refere-se à Unidade de Coordenação de Fronteiras e Estrangeiros (UCFE), conhecida por "mini-SEF", que está na dependência do secretário-geral do Sistema de Segurança Interna, que recrutou, em comissão de serviço por três anos, 51 inspetores ex-SEF, que deviam estar na PJ.
"Perante este cenário, não podemos senão concluir que o controlo da fronteira, e a respetiva unidade de coordenação, transitaram do SEF para a PJ, e que o processo de transição para a PSP e GNR ficou adiado por um a dois anos nas fronteiras, e por três anos no caso da UCFE, onde não se vislumbra sequer um elemento destas Forças. Na prática, a PJ assumiu o controlo das fronteiras nacionais, e respetiva coordenação estratégica e tática. Somente com um elevado sentido de Estado por parte da direção nacional da PJ - que se viu assim amputada de mais um pedaço do efetivo que contava receber - e de absoluta abnegação dos seus inspetores se poderá aceitar esta situação, que se exige que seja resolvida quanto antes, e que se iniciem imediatamente os procedimentos necessários à transmissão de conhecimentos, nas fronteiras, àqueles que têm por missão assumir estas competências e que não o fizeram. À PJ compete assumir as competências que a lei lhe confere e levar a cabo as suas missões, como sempre fez exemplarmente, e que, agora, com o nosso contributo, continuará a fazer. Até que esta transição se concretize, fica prejudicado o combate à criminalidade violenta e transnacional ao tráfico de pessoas, e a proteção das vítimas, que vê assim amputado o seu reforço".
Do lado da PSP, Paulo Jorge Santos, presidente da Associação Sindical de Profissionais de Polícia (ASPP-PSP), dá voz à perceção dos elementos desta força de segurança e confirma que "se nuns aeroportos os problemas não são muito evidentes, ou pelo menos conhecidos, a verdade é que em Lisboa há problemas". Revela que "a primeira semana foi difícil" e que se sente "que grande parte dos profissionais da PJ estão desmotivados e agem como se já não tivessem nada a ver com aeroportos. Existem também muitos processos que não foram passados corretamente e a ligação com as entidades que herdaram as outras competências tem sido muito difícil. Nada nos move contra ninguém, mas os problemas existem e há que encarar e dar respostas".
Confirmou-se também, de acordo com as informações que recolheu junto dos seus delegados sindicais, a falta de efetivo que o ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, quer com "dupla-capacitação", isto é, a garantir a segurança aeroportuária e, a mesmo tempo, o controlo de fronteiras. "Devido à ausência de inspetores da PJ tem sido necessário recorrer aos polícias alocados à segurança aeroportuária para fazer face aos fluxos da fronteira", sendo que não vieram respostas da hierarquia. "Ainda não foram apresentadas soluções. Ainda não foram criadas as novas esquadras. Nem sequer os endereços de email foram criados".
Paulo Santos refuta a versão de Rui Paiva de que apenas "um punhado" de elementos da PSP estão no controlo da fronteira no aeroporto de Lisboa. "A PSP está nas box sempre que há voos. Isto é, desde as 5h até às 24h. Isto acontece porque os polícias, desde o tempo em que reforçavam o SEF, aceitavam alterar os seus turnos noturnos (00h-08h) para entrar às 05h e fazer face aos picos de passageiros da manhã. Com o final do SEF foi proposto fazer o inverso, a PSP assumir as noites em pleno e os profissionais da PJ entrarem às 5h em vez de fazerem a noite, algo que foi rejeitado por estes. Assim, e de forma a não prejudicar a operação, a PSP continua a projetar os seus meios para as horas de operação aeroportuária, sendo certo que durante 24h a supervisão da fronteira é assumida pela PSP".
Mas segundo este dirigente sindical, "o ambiente não é bom e os números apontados pelo governo ao aeroporto de Lisboa foram totalmente falsos. Os polícias sentem que grande parte dos inspetores da PJ está contrariada. Por dia, a PJ tem apresentado 35/40 Inspetores para trabalhar, números que se aproximam do efetivo do SEF em dias de greve. Muito longe dos 176 que o MAI anunciou. Alguém mentiu, ou o MAI ou a PJ".