Adotados e abandonados pela segunda vez
Os pais querem muito ter um filho. As crianças querem muito ter uns pais. Os primeiros candidataram-se à adoção e podem esperar anos. Os segundos arrastam-se pelas instituições com a esperança de alguém os levar. Quando estes caminhos se cruzam, querem agradar a todo o custo. Mas o namoro acaba e há famílias que quebram. Os meninos são devolvidos, sentem-se de novo abandonados. E se voltam a ouvir "estão aqui os teus pais", podem perguntar: "Quais pais?"
Em qualquer das situações é uma "dor enorme" e que "se memoriza" para a vida. "Sentem-se abandonados pela segunda vez", diz Ana Pedro, diretora do Centro de Acolhimento Temporário da Santa Casa da Misericórdia de Santarém. Lembra-se de uma menina que ainda não tinha 3 anos e os futuros pais a entregaram ao fim de 15 dias. "Percebeu claramente o que se tinha passado. Recordo-me de um dia em que a levei ao jardim e ela ter apontado para um carro e dizer: "Olha o carro do pai" [era da mesma marca]. Estava a construir uma grande ligação à figura paterna."
A Fundação CEBI disse adeus a cinco crianças em fase de pré-adoção e que depois regressaram: quatro em 2012 e uma em 2011. O motivo alegado não pareceu verdadeiro a Olga Fonseca, diretora do departamento de Emergência Social.
Lembra-se de dois irmãos, de 6 e 8 anos, em que a mãe dizia que um era pouco inteligente, exemplificava que não conseguia completar um puzzle. E de uma menina de 9 anos que tinha dificuldades de concentração e tomava risperidona, os pais devolveram-na porque leram a bula do medicamento, também indicado para pessoas com esquizofrenia.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, que promove a adoção no concelho, integrou 216 crianças em famílias adotivas nos últimos quatro anos, e conta quatro casos de insucesso, todos na pré-adoção. Duas acabaram por ser adotadas em Portugal, uma seguiu para a Itália e a quarta continua na instituição.
Consideram que há três fatores com uma maior probabilidade de insucesso: a criança, a família adotiva e as equipas de adoção.