Adiamento do Congresso deixa CDS em clima de guerra civil

Nuno Melo vai pedir ao Conselho de Jurisdição a nulidade da decisão que adiou o Congresso para depois das legislativas. António Pires de Lima e Adolfo Mesquita Nunes desfiliaram-se do partido.
Publicado a
Atualizado a

O adiamento do Congresso eletivo que estava marcado para 27 e 28 de novembro deixou o CDS em clima de guerra civil. Nuno Melo, que se preparava para disputar a liderança a Francisco Rodrigues dos Santos, anunciou ontem que vai recorrer novamente para o Conselho de Jurisdição do partido pedindo a nulidade da decisão do Conselho Nacional (CN) que aprovou o adiamento.

Ontem, em conferência de imprensa no Porto, Nuno Melo criticou violentamente o que se passou no partido na madrugada de sábado, dizendo que o que está agora em causa é a "legalidade e decência" no partido. "Nunca o CDS bateu tão fundo", apontou o eurodeputado, acusando o presidente centrista de "fugir com medo de perder". "Se [Francisco Rodrigues do Santos] fosse um ser que tivesse um resquício de espírito democrático, aceitava ir a votos."

CitaçãocitacaoEm Belém, Rodrigues dos Santos citou Sá Carneiro: "Em primeiro lugar o país, depois o partido e só depois as circunstâncias políticas de cada um."

Melo contesta a realização do CN que tinha na agenda o adiamento do Congresso e que o próprio tinha impugnado junto do Conselho de Jurisdição. Uma queixa que teve provimento, com aquele órgão a considerar nula a convocatória para a reunião. Ainda assim, a realização do CN acabou por ir a votos dos conselheiros nacionais, sendo aprovada. Uma reunião com "violação de prazos e procedimentos e desrespeitando uma decisão soberana do tribunal do partido", acusou Nuno Melo, que se queixou também de ter sido impedido de intervir em condições de igualdade com Rodrigues dos Santos, candidato à reeleição. O eurodeputado apontou diretamente a Filipe Anacoreta Correia, presidente do Conselho Nacional , que "se permitiu o que nem Arnaldo de Matos se permitiria no PCTP/MRPP", assumindo uma "subserviência instrumental ao presidente do partido". Que, por sua vez, prosseguiu Nuno Melo, "prefere fugir à democracia para poder representar o CDS em fevereiro, já depois de ter perdido o próprio mandato".

Na conferência de imprensa, e depois de Francisco Rodrigues dos Santos ter voltado a admitir uma coligação pré-eleitoral com os sociais-democratas, após uma audiência com o Presidente da República em Belém (ver págs. 4 e 5), Nuno Melo criticou ainda a direção por querer um CDS a "caminhar debaixo da asa do PSD", transformando o partido "numa espécie de PEV do PSD". e garantiu que não desistirá do Congresso antes das eleições legislativas: "Eu não abandono."

Já Rodrigues dos Santos escusou-se a falar diretamente sobre a situação interna, após a audiência com Marcelo Rebelo de Sousa, mas repetiu por diversas vezes que o interesse nacional deve estar à frente dos interesses do partido. Nas declarações após o encontro em Belém, o líder centrista começou, aliás, por citar Francisco Sá Carneiro: "Em primeiro lugar o país, depois o partido e só depois as circunstâncias políticas de cada um. A vida interna dos partidos não deve condicionar o interesse nacional e a necessidade de termos um governo estável capaz de iniciar a recuperação social e económica do país", defendeu.

A decisão do CN de remeter o Congresso para depois das legislativas já provocou "baixas" no partido. Adolfo Mesquita Nunes, vice-presidente na direção de Assunção Cristas, anunciou a desfiliação após 25 anos de militância. Num texto publicado no Facebook, o antigo secretário de Estado do Turismo disse que este é, "provavelmente, o mais difícil ato político" da sua vida, que justificou assim: "O partido em que me filiei, o CDS das liberdades, deixou de existir." Mesquita Nunes diz que não sai pelas "profundas discordâncias" com a atual direção, mas porque o CDS "é hoje, estruturalmente, um partido distinto" do que foi até agora. "Nunca me imaginei em discussões sobre se alguém do CDS pode não gostar de touradas, se pode ser vegetariano, se pode divorciar-se, se pode amar quem quiser, se pode não ser crente. Mas essas discussões vieram para ficar e dão bem conta das novas prioridades do partido", aponta Mesquita Nunes.

"Amanhã deixarei de ser militante", disse António Pires de Lima em entrevista à SIC Notícias na noite de sábado.

"Opartido bateu no fundo. E, para mim, digo com a maior das tristezas, isto é o fim da linha. Para mim, a partir de amanhã deixarei de ser militante do CDS", disse o antigo vice-presidente do CDS-PP.

Estas duas desfiliações não foram casos únicos. A antiga deputada Inês Teotónio Pereira anunciou também a saída, tal como João Maria Condeixa e Manuel Castelo-Branco.

E há mais na forja: outra antiga deputada, Vânia Dias da Silva, respondeu à desconvocação do Congresso com a promessa de desfiliação após o futuro Congresso - "seja ele quando for" -, caso a atual direção seja reeleita.

João Almeida, entretanto, anunciou através da rede social Facebook que vai deixar a bancada parlamentar do CDS-PP, para onde foi eleito deputado pela primeira vez em 2002.

Numa publicação naquela rede social, com uma fotografia sua durante o debate do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022), João Almeida escreveu "A última. A despedida. No debate do OE22. A combater a esquerda. Como sempre fiz".

"Foram 13 dos últimos 20 anos. Deixo o parlamento com a enorme gratidão de ter tido a honra de servir o meu país na sua casa da democracia", acrescentou o centrista.

João Almeida adiantou que a decisão já estava tomada, e não tem a ver com as últimas divergências internas do CDS.

susete.francisco@dn.pt

Artigos Relacionados

No stories found.
Diário de Notícias
www.dn.pt