Ada Colau planta as sementes para dar o salto do Ajuntament para a Generalitat
"Não esqueças nunca de onde vens", diz um cartaz à porta do gabinete de Ada Colau na câmara de Barcelona. Em menos de um ano, a ativista antidespejos tornou-se a presidente da segunda maior cidade espanhola e ganhou a aura de líder incontestável da esquerda catalã. De tal maneira que já estará a plantar as sementes para no futuro (a dúvida é saber quão próximo) poder mudar-se do edifício do Ajuntament para o palácio da Generalitat, do outro lado da praça St. Jaume I.
A independente Colau foi eleita alcaldesa em maio de 2015 à frente da coligação Barcelona en Comú - que incluía, entre outros, Podemos, Iniciativa pela Catalunha Verdes (ICV) e Esquerda Unida. Mas em finais de janeiro, a presidente da câmara anunciou a intenção de formar um novo partido de esquerdas, pela defesa dos direitos sociais, a luta contra a corrupção e um referendo vinculante sobre a independência da Catalunha. O objetivo é conseguir dar o salto do âmbito municipal para o autonómico, transpondo para a realidade regional o que conseguiu em Barcelona.
Ada Colau, que a 2 de março completa 42 anos, ficou a duas cadeiras de completar o curso de Filosofia na Universidade de Barcelona - fez um semestre como Erasmus em Milão, falando fluentemente italiano. Filha de pais separados, trabalhou para uma empresa de sondagens, foi assistente de bordo, professora, animadora infantil e até atriz - foi Luci na série de comédia Dos + Una que passou em 2001 na Antena 3 e foi cancelada ao fim de 13 episódios. Desde a adolescência que esteve envolvida em voluntariado, colaborando com a Amnistia Internacional, mas foi já neste século que se envolveu nas lutas sociais.
Esteve nos protestos contra a guerra do Iraque, em inúmeras manifestações contra o Banco Mundial ou o G8 e envolveu-se com os okupas. A partir de 2006 começou a participar no movimento V de Vivienda (habitação em castelhano) e em 2009 foi uma das fundadoras da Plataforma de Afetados pelas Hipotecas. Pelo meio, conheceu o companheiro, o economista Adrià Alemany, e há quatro anos foi mãe.
Colau ganhou visibilidade como porta-voz da plataforma contra os desejos - depois de ser eleita voltou a circular nas redes sociais uma foto do dia em que foi detida num protesto num banco. A política fazia parte da sua vida desde a universidade e depois de ter recusado nas eleições de 2011 ser cabeça de lista da ICV ou da Candidatura de Unidade Popular (CUP, antissistema), resolveu lançar em junho de 2014 a plataforma Guanyem (ganha, em catalão) Barcelona. Esta nasce dos movimentos cidadãos a pensar nas municipais, transformando-se mais tarde no Barcelona em Comú.
Em março de 2015, dois meses antes do escrutínio, é escolhida como candidata à câmara numas primárias abertas em que foi a única a ir a votos. Em menos de um ano, passou do ativismo para a luta política ao mais alto nível e desde a vitória os apoios não param de crescer. Os resultados eleitorais das autonómicas e das gerais só serviram para aumentar a fama da líderesa.
Três eleições
"David ganhou a Elias", congratulou-se Colau ao derrotar o então autarca de Barcelona, Xavier Trías, por menos de 20 mil votos. O Barcelona em Comú era uma confluência de várias forças da esquerda, mas a nova alcaldesa não ficou dependente da coligação. E provou-o ao recusar envolver-se na campanha das autonómicas de 27 de setembro - que se previam polarizadas entre os defensores e os críticos da independência catalã. Podemos e ICV apresentaram-se sob as cores da Catalunya Sí que es Pot (Catalunha Sim Pode), que não foi além do quarto lugar, com 15,4% dos votos.
Nas eleições gerais, a 20 de dezembro, Colau voltou à carga - dizem os críticos para ganhar protagonismo. Começou por impor a Pablo Iglesias o nome En Comú Podem para a coligação que foi a votos na Catalunha, tendo tido também mão na colocação do historiador Xavier Domènech como cabeça de lista. Finalmente, pressionou o líder do Podemos para que prometesse um referendo vinculativo sobre a independência da Catalunha no espaço de um ano. O resultado foi a vitória do En Comú Podem na Catalunha, com a conquista de 24,7% dos votos (mais 600 mil do que à três meses antes). Sobre a independência, a própria Colau nunca se pronunciou abertamente. A autarca defende que os catalães têm direito a decidir, mas nunca disse se votaria "sim" ou "não" no referendo.
O anúncio da criação do novo partido - que assusta Podemos, ICV, CUP e até o Partido dos Socialistas da Catalunha, reforça os rumores insistentes de que Colau quer chegar ao governo catalão. "Sou presidente da câmara de Barcelona com muito orgulho, compromisso e responsabilidade. Creio que o municipalismo é, mais do que nunca, o espaço-chave para melhorar a nossa democracia", respondeu a quem suspeita que quer ser candidata já dentro de 18 meses. O mandato da alcaldesa só termina em 2019.