Açores: Alicerce de uma aliança com futuro
Se pela geografia somos vizinhos nestas duas margens do Atlântico, como tão bem descreve o açoriano e professor da Brown University, Onésimo Teotónio Almeida, a história encarregou-se de criar uma relação única e privilegiada entre Portugal e os Estados Unidos da América, na qual os Açores têm assumido, ao longo dos tempos, o papel de verdadeira pedra angular.
É uma evidência histórica que, nesse país, desde a Nova Inglaterra até à longínqua Califórnia - "califórnias perdidas de abundância", nas palavras de outro insigne açoriano, Pedro da Silveira -, muitos açorianos encontraram, por opção ou por necessidade, uma renovada oportunidade para uma vida com melhores condições materiais. Entre as numerosas situações em que, para com os açorianos, os EUA deram expressão prática ao verso "Give me your tired, your poor", destaca-se o Azorean Refugee Act (1958), patrocinado pelos então senadores John F. Kennedy e John O. Pastore, quando a erupção do vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial, destruiu vidas e comprometeu sonhos.
Ao longo do tempo, as comunidades açorianas nos EUA, fruto do seu trabalho, do seu esforço e da sua ética, ganharam projeção e afirmaram-se nas mais variadas áreas, desde a política estadual e federal à cultura, passando pela atividade empresarial e associativa, até à docência universitária, entre muitas outros setores da vida coletiva norte-americana.
O facto de, em vários estados norte-americanos, a presença portuguesa ser constituída, na sua esmagadora maioria, por açorianos ou açor-descendentes não retira, nem minimiza, a sua importância para o nosso país. Pelo contrário, este facto, por razões históricas e afetivas, acrescenta valor, o qual pode, e deve, ser rentabilizado. Desde logo, mas não só, naquilo que a região autónoma dos Açores pode representar como ponto de relação institucional de Portugal com essas entidades infraestaduais, há um potencial imenso que continua por cumprir.
Mas há uma perspetiva, porventura não tão invocada por Portugal quanto seria desejável, e que tem que ver com tudo aquilo que, também, os Estados Unidos da América alcançam por serem parte desta relação de amigos e aliados históricos.
Sendo redutor considerar que essa relação assenta, apenas e só, na presença militar norte-americana na Base das Lajes, ilha Terceira, aliás, progressivamente reduzida nos últimos anos, por decisão unilateral norte-americana, e com alguns assuntos daí resultantes que urge resolver, a verdade é que os Açores, enquanto porta de entrada privilegiada no Atlântico para o continente europeu, foram, são e continuarão a ser um dos alicerces em que se funda este relacionamento entre os dois Estados.
Assim foi historicamente, como se comprova pela feliz circunstância de estarmos a comemorar os 225 anos de presença contínua do consulado norte-americano nos Açores, mas também por ter sido este arquipélago a acolher, em 1917, uma base naval dos Estados Unidos na ilha de São Miguel, e, mais tarde, um campo de aviação militar na ilha de Santa Maria, que foi, posteriormente, transferido para a ilha Terceira, e mesmo no apoio que, catapultado a partir daí, foi prestado a missões militares e humanitárias dos EUA, de Portugal e da comunidade internacional ao longo dos tempos.
A acrescentar à certeza desta realidade geográfica imutável, os EUA encontram em Portugal um parceiro estável e fiável, o que, num contexto internacional cada vez mais volátil, amplia, seguramente, o valor desta parceria.
Esta é uma circunstância que, estou em crer, será cada vez mais potenciada, agora que, ao nível geopolítico, as atenções dos decisores políticos e militares norte-americanos estão a voltar-se, novamente, para o Atlântico.
E é, exatamente, este potencial que agora, como no passado, deve ser aproveitado no quadro deste relacionamento bilateral, em áreas emergentes que, seguramente, vão ditar o nosso desenvolvimento futuro, como seja a investigação do mar profundo, do clima e do espaço.
Nestas três áreas, entre outras, os Açores apresentam características e mais-valias únicas, que devem ser motivo suficiente para renovarmos e fortalecermos esta relação com os Estados Unidos da América.
Começando pelo mar dos Açores, que representa cerca de 30% da Zona Económica Exclusiva europeia, ou seja, uma área idêntica aos territórios da França e da Alemanha juntos, e que é, desde logo, para apenas referir um exemplo, objeto de uma parceria entre o Governo dos Açores, a Fundação Oceano Azul e a Waitt Foundation, que está já em execução e prevê uma série de medidas concretas de preservação e gestão sustentável deste recurso.
Mas também na área do espaço, na qual os Açores, além de acolherem as sedes da Portugal Space - Agência Espacial Portuguesa, na ilha de Santa Maria, e do Centro de Investigação Internacional do Atlântico - AIR Centre, na ilha Terceira, se encontram a trabalhar no projeto relativo à instalação, na ilha de Santa Maria, de um porto espacial para o lançamento de satélites.
Ou na área do estudo do clima, sendo de destacar, na ilha Graciosa, a Estação de Medição da Radiação Atmosférica, num projeto internacional que envolve o Departamento de Energia dos Estados Unidos, através do Los Alamos National Laboratory, o Governo Regional dos Açores e a Universidade dos Açores e que se destina à compreensão das interações oceano-atmosfera, em particular ao estudo dos mecanismos microfísicos da formação e influência das nuvens marinhas sobre o clima atual, bem como a sua influência sobre o clima futuro.
Estamos, assim, perante novas oportunidades para elevar este relacionamento bilateral a um novo patamar, assente também na ciência e no conhecimento, que devem ser aproveitadas, não apenas pelas entidades públicas, que as devem promover e incentivar, mas também por entidades privadas ligadas à produção de investigação nas duas margens do Atlântico. Nesse âmbito, destacaria, entre outros, o papel desempenhado pela Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, sobretudo mais recentemente, e pela Universidade dos Açores.
E se hoje, como no passado, a importância e a perenidade dessa relação sobreleva, em muito, os concretos e momentâneos protagonistas de cada uma das margens do Atlântico, bem como a maior ou menor exuberância dos seus estilos e personalidades, há, contudo, uma referência concreta que, a este propósito, não posso deixar de fazer.
A presença, nestes tempos desafiantes, de George E. Glass à frente da Embaixada dos Estados Unidos em Lisboa constitui, sobretudo sem os tiques excêntricos do seu antecessor, uma certeza e uma segurança.
Certeza e segurança que resultam quer da sua meritória visão do potencial desta relação entre os dois países, quer da sua competência, da sua liderança e do seu trabalho na prossecução dessa mesma visão, quer, ainda, da sua consciência, evidenciada em várias situações, de que a sua missão concretizar-se-á melhor lutando por uma equilibrada e justa composição dos diversos interesses.
No ano em que se comemoram os 244 anos da fundação dos Estados Unidos da América e os 225 anos da instalação do consulado norte-americano nos Açores, aqui fica, pois, a minha saudação a todos os que, diariamente, trabalham para o fortalecimento da relação histórica entre os nossos dois países e os votos para que saibamos todos sempre interpretar aquilo que melhor a serve e potencie.
É isso, creio, que resulta da riqueza da sua história.
É isso, estou certo, que nos impõe o futuro.
Presidente do Governo Regional dos Açores