Acordo assinado abre caminho a governo de mudança em Israel

Oito partidos comprometem-se a formar um executivo com um primeiro-ministro e restantes cargos em rotatividade. Proposta tem de receber maioria parlamentar.
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À porta do hotel Kfar Maccabiah, na cidade de Ramat Gan, nos arredores de Telavive, reuniram-se apoiantes e detratores do chamado "governo de mudança", cujos protagonistas se encontravam no interior, a distribuir pastas e por fim assinar o acordo antes do final do prazo concedido pelo presidente Reuven Rivlin, até às 23.59 locais, e anunciar que as negociações chegaram a bom porto.

Na manifestação contra, organizada pelo Likud, o partido de direita liderado pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, encontrava-se a ministra dos Transportes Miri Regev indignada com a hipótese de se formar uma coligação sem o partido mais votado. "Roubaram-nos as eleições. O que [Naftali] Bennett fez é impensável. Ele levou a cabo a maior fraude política da história", disparou. Em política a memória é curta: foi a liderar uma coligação sem a presença do partido mais votado em 2009, o Kadima de Tzipi Livni, que Netanyahu chegou ao cargo em que permanece até hoje.

Os ânimos das manifestações estavam exaltados, com uma manifestante pró-Netanyahu a prometer "executar" os "filhos de Arafat" e "traidores esquerdistas" aos que estavam do outro lado da rua, tendo recebido o epíteto de "nazi". Dentro do hotel o tom terá sido decerto mais cordial, embora as diferenças de fundo entre partidos de esquerda, centro, direita, nacionalistas, seculares e religiosos (a Lista Árabe Unida) sejam tão ou mais profundas do que as dos manifestantes.

O centrista Yair Lapid do partido Yesh Atid e o nacionalista Naftali Bennett do partido Yamina alcançaram há dias um acordo para liderarem uma coligação em que iriam rodar o cargo de primeiro-ministro entre eles, com Bennett em primeiro lugar, apesar de ter obtido apenas 6,2% dos votos. Ultrapassado esse obstáculo, muitos outros surgiram. Um dos últimos foi o do acordo com o partido árabe, uma novidade total . "Há muitas coisas neste acordo em benefício da sociedade árabe e da sociedade israelita em geral, especialmente na região do Neguev, que é assolada por muitos problemas, especialmente a questão das aldeias não reconhecidas no Neguev, e a questão da demolição de casas", disse Mansour Abbas, o líder da Lista Árabe Unida.

DestaquedestaqueO líder do partido da direita nacionalista Yamina, Naftali Bennett, e a deputada Ayelet Shaked foram alvo de ameaças de morte nos últimos dias.

Os meios de comunicação israelitas relataram discordâncias persistentes sobre nomeações que levaram a reuniões já no fim do prazo. Ayelet Shaked, deputada do Yamina, exigia um lugar na comissão que escolhe os juízes, o qual estaria apontado à líder do Partido Trabalhista Mirav Michaeli. Por fim Michaeli terá cedido às exigências de Shaked.

Tanto Shaked como Bennett têm estado sob forte pressão de Netanyahu e da direita em geral para não se juntarem aos seus opositores. O Knesset destacou agentes de segurança adicionais para ambos nos últimos dias, devido a ameaças de morte, enquanto dois dos sete deputados mostraram estar contra o acordo. Num esforço de última hora, literalmente, os deputados Nir Orbach e Idit Silman foram convocados para o hotel. Orbach foi alvo da ira dos manifestantes, que ameaçaram queimar a sua casa.

Os deputados dos oito partidos somam 62 lugares em 120, pelo que basta rebelarem-se dois para deitar por terra o voto de confiança e as negociações. Aliás, o líder da bancada do Likud Miki Zohar apelou para a deserção desses dois parlamentares. "Ainda tenho uma pequena esperança e expectativa de que eles sigam a sua verdade. Este é o seu teste, e será escrito nas páginas da história do povo de Israel para sempre", escreveu. A votação da moção de confiança, no Knesset, dirá se os deputados foram fieis aos princípios ou aos acordos dos partidos.

"O título de 'primeiro cidadão' e a missão de salvaguardar o caráter do Estado de Israel, particularmente neste momento, são responsabilidades pesadas. Não tenho dúvidas de que as assumirá de forma soberba", disse o presidente Reuven Rivlin numa declaração de felicitações ao sucessor. Isaac Herzog, de 60 anos, confirmou o favoritismo e foi ontem eleito por 87 dos 120 deputados para um mandato único de sete anos que irá iniciar no dia 9 de julho.

O futuro presidente de Israel, o décimo primeiro, teve a concorrência de Miriam Peretz, uma professora que vive num colonato na Cisjordânia e que se tornou numa personalidade respeitada pelas suas mensagens sobre perda e dor - perdeu os dois filhos enquanto soldados - , mas também sobre judaísmo e sionismo. Já Herzog é um nome do establishment israelita. O avô Yitzhak Herzog foi o primeiro rabino chefe de Israel; o pai, Chaim Herzog, foi embaixador junto das Nações Unidas e presidente do país entre 1983 e 1993; e o tio Abba Eban foi o primeiro ministro dos Negócios Estrangeiros do país e também desempenhou as funções de embaixador junto da ONU e nos EUA.

DestaquedestaqueHerzog perdeu eleições para Netanyahu em 2015, ao advogar solução dos dois Estados e abdicar de colonatos.

Nascido em Telavive, Isaac Herzog viveu entre os 15 e os 18 anos em Nova Iorque e ao regressar, cumprido o serviço militar e cursado direito, trabalhou no escritório de advocacia fundado pelo pai. Entrou na política como secretário do governo de Ehud Barak, em 1999, e até 2001, quando o primeiro-ministro demissionário perdeu as eleições para Ariel Sharon.

Eleito deputado pelos trabalhistas em 2003, fez parte do governo de coligação com o Likud de Sharon, como ministro da Habitação, em 2005, e depois até 2011, com outras pastas, nos governos de Ehud Olmert e no primeiro governo de Benjamin Netanyahu. Entre 2013 e 2018 foi o líder do Partido Trabalhista. Defensor da solução dos dois Estados, concorreu sem sucesso às eleições de 2015 com o objetivo de derrotar Netanyahu e de relançar o processo de paz, ainda que abdicando de colonatos.

Isaac Herzog, casado e com três filhos, não escondeu a emoção ao ser o escolhido pelos deputados. "Vou ser o presidente de todos. Vou construir pontes entre partes diferentes da nossa sociedade", prometeu, entre lágrimas. "Devemos defender o estatuto internacional de Israel e a sua boa reputação na família das nações, combater o antissemitismo e o ódio a Israel, e preservar os pilares da nossa democracia", disse ainda.

cesar.avo@dn.pt

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