Recuperar poder de decisão na TAP obriga Estado a pagar 14 vezes mais

Há quatro anos, Estado pagou 1,9 milhões por 11% da TAP, agora os 22,5% de Neeleman custarão 55 milhões. Pedrosa mantém 22,5% e trabalhadores 5%. Gestão virá de "seleção internacional". Acordo será assinado nos "próximos dias", assegura o ministro Pedro Nuno Santos.
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O acordo não está fechado mas "está assegurado", deverá ser assinado "nos próximos dias", e isso permite evitar a falência", com o empréstimo de até 1,2 mil milhões a poder entrar na TAP. O Governo conseguiu assegurar os 72,5% da transportadora - comprando por 55 milhões a saída de Neeleman e sua renúncia à conversão do empréstimo da Azul em capital em 2026 - e desta vez assegurando que poderá influenciar o futuro da companhia e decidir sobre o empréstimo que entra na TAP. Com os quase três quartos de capital - fica Humberto Pedrosa com os 22,5% que detinha e os trabalhadores mantêm os 5% - o Estado assume agora essa fatia de 72,5% também em direitos económicos e de voto.

Catorze vezes mais do que custou a reversão da privatização. É o preço da fatia de David Neeleman na TAP. Há quatro anos, o governo de António Costa pagou 1,9 milhões para recuperar do consórcio Atlantic Gateway os 11% que asseguravam a maioria do Estado no capital da companhia. Agora, o preço da aquisição dos 22,5% do empresário amero-brasileiro fixa-se nos 55 milhões de euros.

O que justifica a disparidade?

Não se pode fazer uma transposição direta: o que está em causa, mais do que uma fatia do capital, é a recuperação de poder na gestão da transportadora. Além de uma cláusula muito particular inscrita no contrato de reversão. Quando compraram 61% da transportadora, Neeleman e Pedrosa pagaram 354 milhões, mas o Estado encaixou apenas 10 milhões - o resto serviu para fazer face à situação de grave descapitalização em que a transportadora se encontrava e dar vida ao pano de renovação e expansão traçado.

Nesse contrato de 2015, o Estado detinha 35% dos direitos económicos da empresa: era essa a proporção do poder estatal (e das responsabilidades públicas) na TAP. Um par de meses depois, porém, a maioria do capital voltava para as mãos do Estado, que recomprava 11% por um preço muito favorável de 1,9 milhões. Acontece que o contrato de reversão da privatização, que António Costa assinou em fevereiro de 2016, trazia condições. E uma delas era a redução brutal do poder do Estado na transportadora, de 35% para 5% dos direitos económicos. Ou seja, enquanto as responsabilidades públicas aumentaram na proporção da participação (50%), a capacidade de intervir na gestão ficou reduzida a quase nada.

Recuperar os 22,5% da TAP - a metade de Neeleman no consórcio Atlantic Gateway, que conta ainda com Humberto Pedrosa - equivale sobretudo a recuperar poder de decisão, fundamental num momento em que o Estado se prepara para injetar 1,2 mil milhões de euros dos cofres públicos na transportadora. Há ainda a questão da cláusula que mereceu alertas do Tribunal de Contas - e que Costa queria agora anular. O contrato de reversão determinava que se o Estado tomasse uma posição maior na TAP teria de devolver 117 milhões correspondentes a investimento dos privados na companhia (a repartir pelos dois membros do consórcio). Terá sido esse um fator essencial para determinar o preço da saída de Neeleman.

Reestruturação inevitável

O Estado passa a mandar na TAP, para o que contratará, através de uma empresa especializada, "uma equipa de gestão profissional e experiente na aviação", sublinhou o ministro das Infraestruturas. "Não há razão para que o Estado escolha de forma diferente dos privados." E será a essa equipa que caberá fazer a reestruturação da companhia, que Pedro Nuno Santos já admite como inevitável: "Queremos uma TAP viável, a servir necessidades do país. A reestruturação não tem de ser um ponto negativo, será estratégica e o futuro determinará de que tamanho fica a companhia", disse, assumindo porém que "não queremos uma TAP sobredimensionada, porque estaríamos a desperdiçar recursos".

A mudança passará, portanto, por um redimensionamento que cortará aviões e rotas à companhia, mantendo "uma empresa que sirva os interesses dos portugueses" e assegure o hub em Lisboa. Pedro Nuno Santos rejeita falar na "inevitabilidade de despedimentos", mas esse será necessariamente um passo a dar numa TAP encolhida. O ministro prefere realçar que o Governo quis assegurar a "salvação" da transportadora, admitindo agora que "ninguém queria a nacionalização", mas "foi importante para conseguirmos chegar a acordo que esse cenário estivesse em cima da mesa".

Antonoaldo Neves sai já

Pedro Nuno Santos confirmou a "saída imediata" do CEO Antonoaldo Neves, mas não adianta quem irá substituí-lo já. O ministro das Infraestruturas sublinha, porém, que essa será a única saída imediata, sendo nomeada uma equipa transitória. A gestão da TAP será substituída, mas a prazo, com Pedro Nuno Santos a explicar que sairá de "um processo de seleção internacional", como é prática "nas empresas privadas".

"TAP não contará para contas públicas"

O empréstimo de até 1,2 mil milhões vai pesar no bolso dos contribuintes, mas daí em diante as contas da TAP "só residualmente" contarão para a dívida e o défice. A certeza foi dada pelo ministro das Finanças, João Leão, que explicou que "há muitas empresas estatais que não estão no perímetro das contas públicas" - caso da Carris, da Águas de Portugal e dos portos. "São empresas que, como a TAP, S.A. (a transportadora), têm natureza mercantil." Assume, porém, que o grupo TAP (SGPS) poderá ter um efeito na dívida e no défice, "mas será um impacto residual".

O acordo

O Governo português chegou assim a acordo para comprar a participação de David Neeleman, no consórcio Atlantic Gateway por 55 milhões de euros, tal como tem vindo a ser noticiado nos últimos dias. A operação foi decidida no baixar do pano. E o acordo está terminado faltando apenas acertar pequenos detalhes. O empréstimo de 1,2 mil milhões de euros pode chegar entretanto à TAP. Nos próximos dias, e após a formalização de algumas questões, uma tranche de 250 milhões entrará nos cofres da transportadora aérea.

Numa conferência de imprensa esperada desde quarta-feira e que só aconteceu depois das 22.00 de ontem, os governantes quiseram contar a história de uma negociação dura e dos passos que levaram por fim ao acordo num contexto particularmente difícil. "A pandemia afetou de forma negativa a aviação e as companhias aéreas. A atividade prosseguida pela TAP é estratégia para o País", começou por assinalar o ministro de Estado e das Finanças, João Leão. "O Estado junto da Comissão Europeia analisou e discutiu para conceder um auxílio de Estado. A operação foi concedida a 10 de junho. Foi proposto um acordo com um conjunto de condições, que não foram aceitas pelos privados, bloqueando o empréstimo", disse ainda.

Recordando o peso desta que é uma das maiores exportadoras nacionais (2,8 mil milhões), a companhia que mais turistas traz para Portugal, e que gera mais de 10 mil postos de trabalho diretos a que se somam outros 100 mil e indiretos, o ministro das Infraestruturas justificou a necessidade de salvar "uma empresa de importância crítica para o país", numa altura em que os portugueses sofrem os efeitos brutais da crise internacional.

Pedro Nuno Santos juntou-se à versão do Governo de uma semana atribulada, garantindo que "a opção alcançada não era a inicial". "Fizemos uma proposta aos privados que não foi aceite na totalidade. Tínhamos um acordo com a Comissão Europeia, mas para essa injeção faltava acordo com os privados", frisou, explicando que o Governo queria que os parceiros privados participassem no esforço de capitalização da empresa e prescindissem das cláusulas previstas na reversão mas que deixavam o Governo em maus lençóis num momento em que a TAP precisa de injeção imediata de capital e Bruxelas só a permitiu na versão mais dura e exigente.

"A opção a que chegamos com a Comissão Europeia, e que é um cenário de emergência e reestruturação, é a opção que estava disponível para a TAP."

Jornalistas do Dinheiro Vivo

notícia atualizada às 08.30

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