São pinturas de continuidade no percurso de Eduardo Nery e, no entanto, contêm uma dimensão inovadora. Ou seja, existem nessa tensão entre pureza abstractizante, ascetismo estético, improvisação e jogo do acaso e do aleatório. São notas à solta que podem ver-se até 7 de Março, na Galeria São Mamede, sob o título Ritmos de Cor-Jazz..No entendimento de Eduardo Nery, "os ritmos de cor derivam da oposição entre campos cromáticos ou barras estruturantes." Estas são, por sua vez, "desafiadas por núcleos de quadrados (ou rectângulos) soltos que desestabilizam e desafiam a coerência interna dos elementos de composição mais fortes e mais firmes." Que se torna, afinal, decisivo nestas obras entre a ordem e a desordem, a estabilidade e a instabilidade? A expressão do inesperado, do improviso, do aleatório. .Se nestas pinturas se pressente um lado muito sensorial e emotivo, o seu substrato é, nas palavras do artista, fortemente estruturante - até no sentido ético-social -, como se verifica, por exemplo, na música de Bach (Variações Goldberg) ou de outros compositores do barroco.. O elemento jogo, marcante no percurso de Eduardo Nery, designadamente nas "figuras de convite" da estação do Campo Grande, tem vindo a surgir na sua pintura ligado a outros compositores como Haydn, Mozart, Vivaldi ou Corelli : "Tenho a noção de alguma equivalência entre as minhas cores puras e luminosas e aqueles sons e acordes de uma claridade e precisão deslumbrantes.".Aqui é o jazz a instituir a brincadeira como se o quadro fosse uma partitura. A memória de Miles Davis, Charlie Parker e Coltrane brota na luz de devaneio que ilumina estas obras de síntese em acrílico ou em guache. Apesar da sua expressividade jubilatória, as pinturas partem de um espaço constitutivo de solidão e, num choque impetuoso, dão corpo sonoro à ideia de ilimitado que se sobrepõe ao silêncio dos dias..Nesse sentido, possuem um ritmo sincopado como o da vida urbana. É a presença constante da música no quotidiano de Eduardo Nery a influenciar o seu trabalho não só nas pinturas da fase Op e actuais mas também em obras de azulejo: os painéis em Queluz, na Av. Infante Santo, ou a fachada metálica em relevo na fábrica da cerveja em Vialonga . . Conjugam-se, deste modo, ritmo, movimento, real ou ilusório, mobilidade do olhar, sonoridade cromática. E se na fase da Op Art, em que a cor era muito relevante mas sujeita ao primado do claro-escuro, Eduardo Nery estava muito interessado na investigação sobre a percepção e o ilusionismo óptico, essa preocupação não existe agora: "A cor vive inteiramente por si própria, como cor--em-si, como expressão e emoção.".Melodia e ritmo vão gerando dois tipos de movimento: "Um do tipo ondulatório, estável e constante, talvez equivalente à secção rítmica no jazz; outro mais sincopado, que tanto pode ser encarado como melodia ou ritmo mais vibrátil e cintilante." .É, portanto, possível encontrar nas malhas geométricas "acordes e harmonias", diz Nery. O olhar pode desfrutar de um ritmo-dança no espaço plano e nas cores puras, tiradas do espectro solar. Nelas há vida!