Acerca dos novos estatutos das Ordens Profissionais

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A lei que altera o regime jurídico das associações públicas profissionais foi publicada em Diário da República em 28 de março deste ano, depois de ter sido aprovada em votação final global no parlamento em dezembro do ano passado, após uma intensa contestação das respetivas ordens. Recentemente, o Governo aprovou o diploma que altera os estatutos de 12 ordens profissionais, adaptando-os ao estipulado no regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, entre elas, a Ordem dos Médicos Dentistas (OMD).

As alterações ao novo estatuto acabam por ficar aquém das expectativas da OMD, à semelhança aliás das restantes ordens profissionais. Mas, no caso específico dos Médicos Dentistas, estas alterações ganham especial relevo no âmbito da importância que a saúde oral pretende assumir nos próximos anos e na visão que o governo pretenderá implementar para contrariar os dados que o nosso país ainda regista no que aos padrões de acesso a cuidados de saúde oral diz respeito.

A 18 de novembro de 2022, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou o "Global Oral Health Status Report", um documento que se apresenta como uma referência para o desenvolvimento de políticas no âmbito da saúde oral, mediante a disponibilização de orientações para um alargado leque de setores e intervenientes nesta matéria. Neste relatório é possível, por exemplo, consultar os perfis de saúde oral dos 194 países membros da OMS, nos quais se destacam a relação da saúde oral com a saúde sistémica e com as desigualdades sociais, visto que há uma maior carga de doença entre as populações mais vulneráveis, seja ao nível interno de cada nação, seja quando comparada com os vários países. Razão pela qual, este documento apresenta um guia para dar prioridade à saúde oral nos vários contextos: global, nacional e regional. O "Global Oral Health Status Report" mostra, pela primeira vez, um retrato do panorama mundial em termos de carga que as doenças orais representam, bem como os desafios e oportunidades que podem ser aproveitadas para alcançar o objetivo definido pela OMS: a cobertura universal de saúde para a saúde oral.

Ora, uma reflexão ao nível da saúde oral em Portugal e dos desafios inerentes às reformas verdadeiramente estruturais e vitais que se impõe ao setor da saúde tornam-se ainda mais evidentes quando a Assembleia Mundial da Saúde aprovou uma resolução histórica sobre a saúde oral. Pela primeira vez, os membros da OMS concordaram que a saúde oral deve integrar a agenda das doenças não transmissíveis e que as políticas desenvolvidas neste âmbito devem ser incluídas nos programas de cobertura universal de saúde. A resolução reconhece o impacto global das doenças orais e a sua correlação com outras patologias sendo que, desse modo, os países da OMS comprometem-se a sensibilizar as populações para os fatores de risco associados a uma má saúde da boca e a adotar uma abordagem preventiva ao invés da tradicional curativa. Para alcançar estas metas de prevenção será necessário envolver todos os agentes da sociedade, desde as famílias às escolas, passando pelos locais de trabalho e pela inclusão da saúde oral, de forma abrangente e inclusiva, nos cuidados de saúde primários.

Com este novo estatuto, esperemos que o Governo tenha acautelado o relevante papel que a OMD tinha e tem vindo a efetuar desde a sua criação, cumprindo com a delegação de competências que o estado lhe deposita. Da parte da OMD, como assim esta o afirma, continuará a pugnar pelo superior interesse da saúde das populações e no garante de qualidade da prestação de serviços pelos seus associados. Nunca é demais relevar que os médicos dentistas são, na sua grande maioria, profissionais liberais o que, tal como em tantas outras profissões, continuam a estar desprotegidos, reféns de uma legislação que carece de uma verdadeira política que proteja a atividade de mais de 600 mil profissionais liberais a laborar em Portugal.

As ordens e associações profissionais vão continuar legalmente impedidas de exercer ou participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das atividades económicas dos seus membros, isto quando uma parte importante dos desafios e problemas que afetam os profissionais liberais está precisamente relacionada com estas áreas "proibidas", por exemplo, proteção social, modalidades de contratação, questões salariais ou de honorários. Será obrigatoriamente para este tipo de questões, que continuam a afetar muitos dos médicos dentistas, que o Governo e os restantes partidos se devem focar e contribuir para que estes profissionais possam tenham melhores condições para fazer cumprir os objetivos delineados pela OMS acima referidos.

Artur Miler, Médico Dentista

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