Acautelar o acolhimento de estudantes e docentes ucranianos

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Duas semanas de guerra no continente europeu e uma inevitável nova ordem política, geoestratégica e social está à vista. Já todos percebemos o agudizar da crise económica, que se soma às anteriores e, nomeadamente, à provocada pela pandemia ainda em curso. A esta, naturalmente, soma-se uma crise humanitária de proporções ainda desconhecidas e imprevisíveis.

Ao longo destes dias de guerra, fomos percecionando o colapso do sistema social ucraniano e, com ele, o das organizações que o integram. Nas instituições de ensino superior portuguesas começamos a sentir a necessidade de nos disponibilizarmos para participar no esforço humanitário que o mundo realiza e foram já muitas as formas encontradas, recolhendo e enviando bens para as fronteiras entre a Ucrânia e os seus vizinhos, numa tentativa de diminuir as dificuldades dos que estão em fuga.

Por outro lado, o sistema de ensino superior português disponibilizou-se para receber alunos ucranianos que pretendam ingressar nas nossas instituições para prosseguir estudos. Esta não é uma experiência inédita, pois já se tinha verificado aquando do êxodo do Afeganistão e da Síria. O sistema, como é sua obrigação, é solidário e disponível.

Desta vez, porém, estamos a assistir a um fluxo de refugiados também entre os professores que, lecionando em universidades nossas parceiras, procuram ajuda para encontrar trabalho nas nossas instituições. Sendo uma situação motivada pela infelicidade da guerra e indesejável, não podemos deixar de olhar para o momento com sentido humanitário, mas também como uma ocasião de contar com quadros de elevada qualidade, capazes de se constituírem como uma mais-valia para as instituições portuguesas.

O sistema precisa, por isso, de olhar para a situação motivada pela guerra como um momento em que podemos e devemos ser solidários, mas substituindo a caridade pela dignidade do trabalho, proporcionando a quem está num momento mau da sua vida poder sentir-se útil empregando o seu saber. Espera-se que a permanência entre nós seja curta (sinal de que a guerra também o será) mas, independentemente da duração, falamos de professores e investigadores que não deixarão de impulsionar as instituições que os acolham.

Mas se é certo que precisamos de ser solidários com o povo ucraniano e, no caso das instituições de ensino superior, com os estudantes e professores, é também certo que o devemos ser com os estudantes russos a estudar em Portugal. Não serão muitos, mas os protocolos que nos unem a instituições russas mantêm em Portugal alguns estudantes que não devem ser discriminados nem ostracizados por serem oriundos de um país governado por um ditador... afinal são apenas jovens estudantes que escolheram o nosso país para fazer os seus estudos.

Esta é a parte colateral da guerra. Sem influência direta na economia, nas sanções, na política, na geoestratégica militar, mas determinante na vida das pessoas e nas gerações futuras, que precisam de continuar a preparar-se para o mundo e para, a prazo, virem a reerguer um país que se quer livre e independente do invasor.


Presidente do Instituto Politécnico de Coimbra

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