Ação climática: Portugal precisa de mais de um bilião de euros, mas ainda não sabe onde o vai buscar
Quatro anos após os acordos de Paris, o clima é uma emergência e as Nações Unidas chegam à conclusão de que é preciso acelerar as metas. Na Cimeira da Ação Climática da ONU, hoje, é esperado que mais países acelerem em 50 anos a meta para a neutralidade carbónica que vai até ao final do século. Mas, para lá dos compromissos públicos, grande parte do encargo ficará para famílias e empresas, às quais a transição vai exigir várias dezenas de biliões (milhões de milhões) de euros. E muitos países ainda não sabem onde os irão buscar.
Em Portugal, vai ser preciso investir, pelo menos, cerca de um bilião de euros ao longo das próximas três décadas. Mas, porque o objetivo é agora o de acelerar a redução das emissões poluentes - num corte de 85% e já não apenas 65%, frente à situação de 2005 -, a conta engorda com mais 85 mil milhões de euros. Representam um custo extra no valor de 1,2% do PIB por ano.
Já a nível global, a fatura da transição andará pelas muitas dezenas de biliões. O Banco Mundial fez contas ainda em 2018 e chegou à conclusão de que só as metas assumidas em Paris para 2030, e das quais se excluíram vários países, custariam 23 biliões de dólares. Ficam ainda a faltar décadas de transição e a assinatura de muitas nações nas metas da ação climática.
Se o novo objetivo da ONU de manter o aquecimento global do mundo pós-industrial limitado a 1,5º C vai exigir um esforço financeiro inédito para reconverter fontes energéticas, transportes, indústria, edifícios e produção agrícola, os custos de nada fazer também entram nos cálculos. E, por causa disso, cada vez mais os mercados financeiros e o investimento privado criam standards para que as aplicações sejam mais sustentáveis.
O mercado da dívida verde, embora de dimensão ainda reduzida, está em grande crescimento, sobretudo, na Europa. Só até setembro deste ano, empresas e países já emitiram obrigações neste mercado num valor de perto de 150 mil milhões de euros, quase tanto como no conjunto do ano passado. A expectativa é que se atinjam mais de 226 mil milhões de euros neste ano, segundo os dados da Climate Bonds Initiative.
EDP e Grupo Pestana estão entre as empresas que se financiam com estes títulos, que limitam o uso do dinheiro levantado a projetos ambientalmente sustentáveis. Ambas as empresas realizaram emissões na última semana - no primeiro caso, para financiar investimento em energia eólica, no segundo para a hotelaria do grupo em Troia e no Alvor.
Também o Ministério das Finanças português tem mantido nos planos a intenção de realizar uma emissão de dívida verde soberana, mas até aqui Portugal ainda não aparece na lista de emitentes, que é liderada por França - com 20 mil milhões de dívida verde acumulados ao longo dos últimos três anos. As contas só reconhecem emissões certificadas, onde não entram financiamentos a grandes barragens ou para atualizar centrais termoelétricas, por exemplo, em países como a China.
Outras das fontes de financiamento verde que é depois aplicado exclusivamente a investimento sustentável está no mercado de licenças de carbono. No mercado europeu, os preços dispararam mais de 200% nos últimos anos e têm engordado, assim, os cofres públicos de vários países. Cada tonelada de carbono já vale mais de 25 euros em leilão.
No caso de Portugal, as receitas da venda de licenças de emissões têm como destino o Fundo Ambiental e servem para pagar, por exemplo, o programa de apoio à redução tarifária (PART), que baixou neste ano os preços dos passes nos transportes públicos no país. No ano passado, os leilões de licenças renderam ao fundo do Ministério do Ambiente 85% das suas receitas. Foram mais de 265,6 milhões de euros, contra apenas 100,3 milhões no ano anterior.
Os valores são elevados mas dependem ainda dos pagamentos da produção termoelétrica nas duas centrais a carvão do país, que devem acabar até 2025. Grande parte das licenças para poluir ainda são gratuitas em Portugal, e só deverão deixar de o ser em 2027. Entretanto, a União Europeia está a mudar as regras e há planos para começar a exigir mais a setores como o da aviação, que tem gozado de isenções na hora de pagar a pegada ecológica.
O custo das licenças é, porém, apenas uma parte das chamadas taxas sobre o carbono, que cada vez mais os países são chamados a cobrar. Nos países da OCDE, a maioria das emissões de dióxido de carbono anda ficam livre de impostos e a organização quer acelerar a fiscalidade nesta matéria. Em Portugal, 59% das emissões estavam ainda livres de qualquer imposto significativo em 2015 (de, pelo menos, 30 euros por tonelada de carbono), segundo um relatório da OCDE publicado no ano passado.
A OCDE vai produzir um relatório mais detalhado sobre a matéria no próximo mês, mas ainda na semana passada produziu um documento em que pede a revisão de taxas e subsídios que os governos dos países desenvolvidos continuam a conceder a emissões poluentes. É o caso de Portugal, que só no ano passado fez uma despesa fiscal superior a 400 milhões de euros com benefícios em sede de ISP destinados em grande medida às centrais a carvão e ao gasóleo agrícola.
No que diz respeito a taxas efetivamente aplicadas, a OCDE destaca que 93% da produção elétrica portuguesa estavam, nos dados de 2015, isentos de taxas. Na indústria, a proporção era de 65. Já comércio e habitações tinham 44% das emissões livres de impostos. No setor rodoviário, o gap era de 94%.
Apesar do gap elevado, prevê-se que a mobilidade e os transportes sejam responsáveis por 40% do investimento de um bilião de dólares que vai ser necessário realizar até 2050 para garantir a neutralidade carbónica portuguesa.
Segundo as Linhas de Orientação para Acelerar o Financiamento Sustentável, apresentadas pelo governo neste verão, uma fatia importante do dinheiro necessário inclui a mudança dos portugueses para veículos elétricos. Incluem-se os perto de cinco milhões de veículos ligeiros do parque automóvel português, assim como o transporte pesado.
Além dos transportes, os gastos terão de ser feitos na produção de renováveis, na melhoria do isolamento e da climatização dos edifícios e na melhoria das produções agrícolas e florestais.
Para tudo isto, o Estado vai ter de investir - da rede de carregamento de baterias à reabilitação de edifícios públicos -, mas a grande maioria do dinheiro necessário vai depender dos particulares.
Neste ano, foi constituído um grupo de reflexão que junta bancos, seguradoras e outras instituições financeiras para discutir o financiamento, mas Portugal, como muitos outros países, está ainda à procura de uma estratégia. Segundo o documento de balanço da ONU que acompanha a Cimeira da Ação Climática desta segunda-feira, ainda só um quinto dos países que aderiram às metas de Paris sabe onde vai buscar o dinheiro para assegurar a transição.