Académico recomenda "cuidado" ao governo para não "alienar" apoio popular no norte de Moçambique
O Governo moçambicano "tem de lidar" com a "seita extremista islâmica" que está a atuar no norte de Moçambique "com o cuidado de não alienar o resto da população na zona, para que não passe para o lado dos insurgentes", afirmou à Lusa Eric Morier-Genoud, investigador e professor de História de África na Queen's University, em Belfast.
"É uma situação muito complicada e acho que o Governo tem de ter, por um lado, muita força, mas, por outro, muita subtileza para neutralizar e prevenir a expansão dessa insurgência", acrescentou o investigador, especialista e autor de várias publicações relacionadas com Moçambique e com a África de língua portuguesa.
O norte de Moçambique tem sido palco de ataques que já causaram mais de 140 mortos desde outubro de 2017, atribuídos a "insurgentes" pelas autoridades moçambicanas que associam a violência a confrontos dentro da comunidade islâmica.
Morier-Genoud chamou a atenção para o facto de existir "pouca informação sobre o estado da intervenção das forças moçambicanas na região" e faz notar que "o Estado ou o exército não querem explicar o que estão a fazer, exatamente".
No entanto, "o que podemos ver é que o exército conseguiu conter esses grupos numa zona bastante delimitada e não houve até agora expansão para fora dessa área", disse.
Não obstante, avisou, trata-se de "um conflito delicado".
O caso começou como "uma seita e está a desenvolver-se, talvez com o suporte de alguma população que está insatisfeita com a situação económica e social e com vários problemas na zona", disse.
O investigador afirmou que conseguiu confirmar que os autores da onda de violência que se instalou na região de Cabo Delgado desde, pelo menos, 2017 pertencem a "uma seita que saiu de uma organização islâmica".
"Trata-se de um grupo que se separou [do Conselho Islâmico] para criar um movimento deles, que quer aplicar a 'sharia' [lei islâmica] no norte de Moçambique. Quer separar-se do Estado e aplicar a lei islâmica", disse.
"Houve uma clivagem dentro do Conselho Islâmico e, possivelmente, houve uma clivagem dentro dessa clivagem, e foi desta última organização, chamada Ansaru-Sunna, que esta última clivagem emergiu, os ditos Al-Shabaab", que construíram as suas mesquitas nos "fins dos anos 2000".
Eric Morier-Genoud disse ainda que "esta história tem no mínimo uns dez anos".
"Eles construíram as mesquitas deles e separaram-se dos outros muçulmanos. Tentavam não lidar com o Estado, não lidar com a educação e com a justiça do Estado, para estabelecer a sociedade deles", explicou.
"De 2010 em diante, tem havido vários incidentes violentos: foram expulsos pela população, por outros muçulmanos em certas zonas, houve mesquitas fechadas, etc. Em 2015, 2016, houve prisões, julgamentos, e as coisas azedaram a um ponto que eles se organizaram e passaram para a violência e [começaram a] atacar o Estado", afirmou à Lusa o investigador.
É "difícil de dizer" quantas pessoas fazem parte do grupo, disse Morier-Genoud.
"Eles estavam presentes em vários distritos, tinham várias mesquitas, a mesquita de Mocímboa da Praia tinha mais de 40-50 pessoas, portanto, era um grupo grande", salientou.
"A questão é quem foi para a violência. Porque nem todos queriam entrar nessa onda de violência. Havia quem fizesse parte e não foi para a guerra e havia outro grupo que virou 'insurgentes' -- como lhes chama o Governo - ao qual parece terem-se juntado outros elementos, com a mesma ideologia, provenientes da Tanzânia", explicou.
"Não sabemos muito bem quantos são, mas conhecemos a extensão dos ataques deles e podemos imaginar que se esteja a falar de algumas centenas de pessoas, se incluirmos as crianças e as mulheres que têm com eles", estima o investigador.
O apoio destes grupos "é um mistério", segundo o especialista britânico.
"O que se sabe é que têm poucas armas, parecem e roubar comida, roupa, medicamentos. Em quase todos os ataques fazem roubos. Andam muitas vezes sem sapatos. Portanto, penso que o apoio é quase nulo. Acho também que não há apoio financeiro de fora", considerou.
Eric Morier-Genoud referiu também que "muita gente diz que eles não falam, que não têm exigências e são simplesmente criminosos".
"Mas, se formos um pouco atrás, e fizermos a genealogia deste grupo, vemos essas mesmas pessoas com um projeto político-religioso, com mesquitas, e com um discurso público e um projeto de sociedade -- o projeto duma sociedade regida exclusivamente pela 'sharia', disse.
"Temos que entender essa trajetória", concluiu.
(SUBSTITUIÇÃO DA NOTÍCIA COM O MESMO TÍTULO DIVULGADA NO DIA 20 DE JANEIRO, POR A VERSÃO ANTERIOR CONTER INCORREÇÕES DEVIDO A QUESTÕES TÉCNICAS)