Academias e estágios. Em Portugal o eSports já é profissional
São profissionais, treinam em casa durante oito horas por dia, mas também em academias, recebem ordenados acima da média do país e têm milhares de seguidores. Adeptos esses que não vão perder a oportunidade de ver ao vivo alguns dos seus ídolos neste fim de semana no Moche XL Esports, onde os gamers vão mostrar as suas qualidades nos jogos de computadores em que são verdadeiros craques.
E quem são estes jogadores conhecidos, por exemplo, como Fox ou Zlynx, para dar dois exemplos de praticantes de CS:GO (Counter-Strike) que fazem parte de equipas que participam em campeonatos deste jogo online de estratégia e ação cujo objetivo é vencer a formação adversária (são cinco contra cinco)? Na realidade, respondem pelo nome de Ricardo Pacheco e Ricardo Matos e defendem as cores da Giants (emblema espanhol em que os cinco jogadores de CS:GO são portugueses) e da Offset eSports (que tem sede em Braga), respetivamente.
Os dois podem ter encontro marcado no sábado caso as suas equipas se imponham nas meias-finais da Master League nacional, cujo vencedor irá depois participar no evento principal deste jogo na Moche XL Esports, que decorre no sábado e no domingo na Altice Arena, em Lisboa. Fase final para a qual já estão apurados os brasileiros da Furia (a 5.ª melhor equipa do mundo de CS:GO), os alemães da BIG , a formação búlgara/russa Windigo e os alemães da Gamerlegion.
O evento que tem lugar pela segunda vez em Portugal é o maior de eSports no nosso país e na edição do ano passado passaram pelo Altice Arena 20 mil pessoas, tendo sido atingida uma audiência online durante os vários jogos e competições superior a 60 mil espectadores em simultâneo. Por exemplo, segundo a organização, o torneio de CS:GO da edição de estreia registou mais de 1 300 000 visualizações nos dois dias que durou o evento.
Outro ponto de interesse, desta feita para os adeptos do FIFA 19, é a realização da final do campeonato nacional deste jogo, prova organizada pelo departamento da Federação Portuguesa de Futebol dedicado a este jogo eletrónico, torneio que tem um prize money superior a dez mil euros.
Estamos assim perante um fim de semana de luxo para os adeptos dos jogos eletrónicos ou simples curiosos que começam agora a ouvir falar destas competições online, que também começam a ganhar dimensão em Portugal e a conseguir ter equipas e jogadores a competir a alto nível seja em que jogo for.
Para chegar ao topo, ou pelo menos perto, de um ranking de jogo eletrónico é preciso treinar muito e usufruir de condições de trabalho muito profissionais. Esse é o caso da Offset eSports, com sede em Braga e atualmente no 71.º lugar da classificação mundial de CS:GO, uma base de dados organizada pela HLTV e que tem por base os resultados que as equipas vão obtendo ao longo do ano.
A formação, que tem como diretor executivo Luís Arantes, foi a pioneira em Portugal na opção de criar um local onde a sua equipa de Counter-Strike Global Offensive pudesse reunir-se e treinar antes dos torneios mais importantes. Foi uma decisão tomada no início do ano e que tem dado frutos: neste ano ganharam todas as competições nacionais em que participaram e nesta sexta-feira à tarde vão tentar garantir um lugar na final da Master League, que se realiza neste sábado. Para isso têm de vencer os portuenses da k1ck.
Para concretizar esta aposta a Offset eSports criou na sua cidade natal um centro de treinos, ou seja, um escritório com várias salas, uma com computadores para os treinos, outras de refeições, descanso e reuniões, tudo isto acompanhado "dos melhores computadores e ecrãs do mercado", segundo Ricardo "Zlynx" Matos, o capitão da equipa. Junte-se ainda um apartamento que está à disposição dos jogadores quando estão em estágio ou quando decidem passar algum tempo na cidade.
"Nos primeiros seis meses devemos ter passado dois em Braga. Agora estou em Vila Real, mas temos um colega que mora em Braga, dois que são de lá e outro de Lisboa", acrescenta.
"Estar no centro de treinos não tem o stress que se sente quando se está em casa, onde podemos ser interrompidos a qualquer momento. Por isso, o nosso rendimento é mais alto", reconhece Ricardo Matos. O líder da equipa explica ao DN que os cinco atletas não estão sempre reunidos no mesmo espaço - "muitos dos jogos e treinos são online e não precisamos de estar juntos" -, mas reconhece que a opção por um local onde se reúnem periodicamente tem sido benéfica para a equipa. "Juntamo-nos uma ou duas semanas antes do final dos torneios. O ideal seria estarmos os cinco reunidos em Braga, mas neste momento ainda não é possível, por isso fazemos isso sempre que podemos. Quando treinamos juntos é mais fácil corrigir os erros que acontecem na hora e conseguimos abordar tudo o que se está a passar", adianta.
A aposta da marca está a dar resultados neste mundo dos jogos eletrónicos, reconhece Ricardo Matos, que aponta o "trabalho que temos feito nestes últimos seis meses em que somos profissionais. Até agora ganhámos os torneios em que participámos e fomos à Polónia, onde vencemos uma equipa do top 30. Além disso, estamos a participar numa liga espanhola, outra europeia e estamos na final da liga portuguesa [a Master League, cuja meia-final e final são nesta sexta-feira e no sábado]. Tudo isto é o reflexo do empenho e dos treinos".
Num mundo que começa a ser cada vez mais profissional em Portugal - a nível mundial o avanço é já grande -, a opção de ter um grupo dedicado exclusivamente ao jogo, neste caso o CS:CO, parece satisfazer o diretor executivo, Luís Arantes.
"Em Portugal ainda não estamos no patamar do que se passa lá fora, ainda temos algum caminho a percorrer, mas estamos a preparar-nos para isso, temos de trilhar esse caminho", refere ao DN. Quanto ao quinteto de Counter-Strike Global Offensive, este tem como objetivo "conquistar as principais provas nacionais e tentar chegar o mais longe possível a nível internacional. Por isso, apostámos na equipa profissional e demos-lhes condições", adianta.
O profissionalismo implica não só condições de trabalho, deveres - treinos em equipa das 14.00 às 20.00 diariamente e depois treino individual à noite ou de manhã - e um ordenado, e nesse ponto o segredo é para manter. Na Offset eSport, os cinco atletas de CS:GO têm um vencimento "acima da média, ganhamos muito mais do que o salário mínimo", reconhece Ricardo Matos, que aos 25 anos já tem muita experiência nos jogos eletrónicos. "Os eSports estão a crescer agora, quando comecei pagava tudo do meu bolso e no primeiro contrato que assinei recebia 50 euros", recorda.
Realidade diferente agora para Ricardo Matos (25 anos), Tiago Moura (23), Renato Gonçalves (22), Francisco Ramos (23) e Paulo Silva (18), que com o treinador Nuno Gaspar formam o grupo que neste ano tem dominado as competições de CS:GO em Portugal e que divide com a espanhola Vodafone Giants, mas cuja equipa é constituída por cinco portugueses, a "luta" pelo primeiro lugar na Península Ibérica no CS:GO. "Neste semestre ganhámos-lhes uma vez e eles uma a nós. Neste fim de semana pode ser o terceiro jogo", conclui Ricardo.
Fora desta "luta" entre Offset eSports (71.º do ranking HLTV) e Vodafone Giants (44.º) está uma equipa que divide os seus meses entre Portugal e o Brasil: os Sharks. Fundada no nosso país em julho de 2017, tem a sua base num andar de um prédio não muito longe do centro de estágio do Benfica, no Seixal, na Margem Sul do Tejo. É no apartamento que os cinco jogadores brasileiros capitaneados por Renato "Nak" Nakano vivem durante os meses que estão em Portugal. Ali treinam, dormem, comem, saindo do "recinto" para ir ao ginásio e pouco mais.
Neste momento, são o 39.º do ranking de CS:GO e o objetivo é atingir o top 10, para isso têm de vencer torneios e participar em grandes competições como a Starladder Berlin Major 2019, que se realiza entre 23 de agosto e 8 de setembro e tem um prize money total de 890 mil euros. Para já conseguiram uma das duas vagas disponíveis no continente sul-americano.
Tal como os Offset e os Giants, os Sharks são profissionais e cumprem rigorosamente uma rotina de treinos. "Fazemos como qualquer profissional de alta performance. Temos horário para acordar, para as refeições, exercício físico diário e treinamos oito horas por dia - duas de tática, de estudo dos adversários, assistimos a alguns jogos deles e também treinamos individualmente [no CS:GO cada um dos cinco jogadores tem tarefas específicas]", conta ao DN Renato Nakano.
Apesar de ser uma equipa nascida em Portugal, como o plantel é todo brasileiro a aposta acaba por ser a de dividir o planeamento em duas partes: o treino na Europa e a maior parte das competições na América do Sul.
"Quando o nosso CEO [João Duarte] criou a equipa decidiu ir buscar cinco jogadores ao Brasil porque achou que lá poderia haver mais talentos. Contratou-nos e de início ficámos em Lisboa e passávamos mais tempo em Portugal do que no Brasil, pois o objetivo era conquistar a Península Ibérica, mas depois percebemos que no Brasil tínhamos mais oportunidades do que aqui e decidimos usar Portugal como centro de treinos, pois é na Europa que estão as melhores equipas e depois voltamos para o Brasil para disputar campeonatos e conseguir vagas para os campeonatos mundiais [como o de Berlim, em agosto]", acrescenta o capitão, que é gamer profissional desde 2005. É o mais velho de uma equipa, tem 31 anos, com uma média de idades de 23. Além de Nakano, fazem parte do grupo Raphael "exit" Lacerda, Leonardo "leo_druNky" Oliveira, Rodrigo "RCF" Figueiredo e Jhonatan "jnt" Silva.
Quando está em Portugal o grupo vive 24 sobre 24 horas junto. Treinam na mesma sala, dividem a cozinha durante as refeições preparadas por uma cozinheira que a equipa lhes coloca à disposição e têm um fisiologista que define as regras de treino. E essa convivência diária não desgasta e influencia a equipa? "Quando cinco pessoas diferentes vão morar numa casa não é fácil, vai ter problemas, você acaba pegando detalhes bobos que normalmente não seriam nada, mas, como trabalha no mesmo local em que vive e junto com as pessoas com quem trabalha, a relação acaba por ser desgastante. Mas o trabalho psicológico ajuda bastante e ajuda-nos a enfrentar esses problemas", conta Renato na sala onde alguns dos colegas já estão a preparar-se para começar o treino na véspera de a equipa regressar ao Brasil.
País onde estão os familiares de todos. "No início, como ficávamos mais tempo cá do que lá, pensámos trazê-los para cá, mas agora como estamos mais lá é mais fácil. Claro que ficamos longe da família, dos amigos, é difícil, mas não estamos numa profissão qualquer, estamos numa de que gostamos e procuramos um sonho, que é sermos campeões do mundo", refere.
Para já, garantem, têm o apoio das famílias para esta aventura longe de casa a exercer uma profissão bem remunerada - "não posso dizer o meu salário, mas os nossos amigos em Portugal dizem que o que ganhamos compensa muito e ainda temos os prémios dos campeonatos" - e de alto rendimento. "Não estamos ao nível do futebol - no profissionalismo - mas estamos perto."