"Acabar com o casamento homoafetivo é um retrocesso que não podemos permitir no Brasil"

Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal brasileiro, conversou com o DN em Coimbra e afirmou ter compromisso com o direito ao casamento gay, ameaçado por parlamentares conservadores.
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Senador, além da visita em Coimbra, houve alguma outra agenda aqui em Portugal?
Tivemos um encontro com o presidente da Câmara do Comércio Luso-Brasileira, Otacílio Soares, mas o intuito principal foi mesmo vir a Coimbra, onde recebi a medalha de Ouro, uma honraria que me deixou muito feliz, além de participar da inauguração da Casa da Cidadania da Língua, um instrumento importante de valorização da língua portuguesa. Também entregámos o convite para que participem das comemorações dos 200 anos do Senado Federal em 2024. Espero muito contar com a presença de várias autoridades portuguesas, entre elas o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, que esteve connosco no bicentenário da Independência e gosta muito do nosso país.

Não esteve previsto nenhum encontro com representantes da comunidade brasileira em Portugal? É a segunda maior do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Além das relações históricas e diplomáticas, muito aqui se tem discutido sobre casos de xenofobia e racismo.
Não, essa agenda aqui foi mesmo mais rápida. Desde o ano passado nós temos nos dedicado muito a fortalecer ainda mais os laços com Portugal. O Senado Federal ocupou muito o espaço de comemoração dos 200 anos da Independência do Brasil, tivemos vários encontros e convénios assinados, uma manifestação muito genuína da amizade entre os povos. Eu acho que conseguimos simbolizar que os 200 anos serviram para o amadurecimento das relações. É importante que as autoridades deem o exemplo, com a relação entre os governos, os parlamentos, as comunidades e mostrar à sociedade que nós somos países irmãos. Não há nenhum cabimento que haja qualquer caso de xenofobia, racismo ou preconceito. Especificamente em relação às questões da comunidade brasileira aqui, é um papel do Ministério das Relações Exteriores, que certamente já tem foco nesse sentido. No que couber ao Congresso Nacional, para haver essa pacificação de pontos de crise que estão acontecendo, certamente nós vamos fazer.

Por falar em Itamaraty, aqui no exterior comenta-se muito que "o Brasil voltou". O senhor concorda?
Eu considero que o Brasil estabeleceu como prioridade, desde a posse do presidente Lula da Silva, a agenda internacional. Porque ela é de facto muito prioritária. É a reconstrução da imagem do Brasil, a demonstração de que existem boas oportunidades e iniciativas. É muito importante para o estabelecimento das relações internacionais, até porque nós dependemos dos investimentos internacionais e da confiança do mercado para o desenvolvimento da nossa nação. O presidente Lula cumpre esse papel e o Congresso Nacional igualmente, todas as vezes que pudemos representar em eventos internacionais para poder manifestar a grande transformação que o Congresso estabeleceu em termos legislativos e constitucionais, na iminência de uma Reforma Tributária, tudo isso contribui para construir a imagem de um país seguro, estável, de equilíbrio democrático e dos poderes.

Sobre o equilíbrio de poderes, como está a relação com o Supremo Tribunal Federal? Recentemente houve uma tensão com a ideia de mandatos com períodos definidos para os ministros (juízes).
Eu tenho enaltecido, desde o começo do ano, quando fui reeleito, a boa relação entre os poderes. Isso é uma realidade do Brasil hoje. Há um equilíbrio e respeito entre os poderes. Nós não vamos mais admitir crises inventadas e o Brasil fabricou aos montes no governo anterior, o que desestabilizou relações institucionais e a própria credibilidade do Brasil aqui fora. Hoje temos que reconhecer o equilíbrio entre os poderes. Não há crise. O que o Congresso Nacional está fazendo neste momento é o seu poder legítimo de exercer de legislar em propósitos que sejam bons para o Brasil. Não há nenhum tipo de acirramento, enfrentamento ou retaliação a um poder ou instituição. Sobre essa questão do mandato para ministros do STF, honestamente, é algo que eu já disse há bastante tempo e tenho dito constantemente, que considero um instituto democrático, republicano e de valorização do Poder Judiciário. A elevação da idade mínima [para ocupar a cadeira], o estabelecimento de mandatos em que se possa ter uma data de entrada e de saída, com tempo razoável de permanência, é algo realizado por diversas Cortes no mundo inteiro. Eu acho que é algo muito positivo para se oxigenar e dar qualidade ao Supremo. Não há nenhuma surpresa nisso, repito, é uma ideia razoável e justa, que melhoraria muito o STF.

Deputados conservadores tentam destruir direitos já adquiridos no Brasil como o casamento homoafetivo, um tema que, aqui na Europa em geral, está mais do que superado. Acha que é um assunto para ser discutido em 2023?
Não deveria ser discutido, salvo para colocar na lei a regra da união homoafetiva. Não pode haver retrocesso e a lei tem que ser prevista nesse sentido. Pra isso, eu instituí uma comissão de juristas no Senado para atualizar o Código Civil e colocar o casamento homoafetivo. Acabar com ele é um retrocesso que não podemos permitir. Eu tenho esse compromisso e já falei até na reunião de líderes, considero que essa pauta é um direito e de dignidade. Eu posso dizer a você que enquanto eu ocupar a presidência do Senado esse tipo de retrocesso não vai acontecer, muito pelo contrário, temos é que evoluir. Agora, é diferente de outros temas como a liberação de drogas, que eu sou contra, sobretudo se for através do Supremo.

No evento em que participa em Paris, acredita que será questionado sobre a posição relacionada à demarcação de terras indígenas?
Temos um compromisso no Brasil com a transição energética, economia verde e sustentabilidade. A partir dessa lógica temos uma chance de nos tornar uma grande potência mundial. Regular o mercado de crédito de carbono como o Senado já fez, definir as regras relativamente ao Marco Temporal, fomentar as perspetivas para o acordo do Mercosul com a União Europeia, quero afirmar que temos esse compromisso, com zelo e prioridade.

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