Abusos de menores. Dioceses portuguesas vão ter de criar comissões até 2020
As novas normas que o Papa Francisco ordenou para a proteção de menores vítimas de abusos sexuais na Igreja Católica vão ser cumpridas em todas as dioceses de Portugal. O cardeal-patriarca de Lisboa disse que já está em curso a criação de comissões em todas as dioceses, ficando as novas estruturas responsáveis por receber denúncias de eventuais abusos sexuais. Com este decreto papal, denominado "Vos estis lux mundi" (Vós sois a luz do mundo), as dioceses de todo o mundo têm de criar as novas estruturas até junho de 2020.
"Temos tantas crianças e menores na Igreja. Criar esta atenção e organismos que estejam atentos e promotores da prevenção é muito importante nos meios da sociedade, em geral, mas nos nossos diz-nos diretamente respeito", afirmou D. Manuel Clemente, à margem da celebração dos 160 anos da Associação Promotora da Criança, na sexta-feira, citado pela Agência Ecclesia. O responsável assinalou que "especialmente aqui, mais vale prevenir do que remediar", exemplificando que "um grama de prevenção vale mais do que dez quilos de remédio".
Em Portugal houve três dioceses - Porto, Lamego e Santarém - que manifestaram reservas na criação destas comissões, mas acabaram por seguir a orientação. D. Manuel Linda, bispo do Porto, confirmou no final de abril que seria criada no Porto a estrutura para fins de "prevenção e formação dos seminaristas e do clero". "Para que não restem dúvidas", sublinhou o bispo em abril, "esses crimes são do mais indigno, baixo e abominável que existe, a negação dos sentimentos humanos e a queda no animalesco e, logicamente, a pura contradição com o que se diz acreditar no campo da fé".
Lisboa é das dioceses com o processo mais adiantado. O Patriarcado já tem uma Comissão para a Proteção de Menores, que será uma importante ajuda para a diocese analisar e responder a casos de abuso sexual de menores. A comissão conta com dois elementos da Igreja Católica Portuguesa, além dos representantes das forças de segurança Francisco Oliveira Pereira, oficial e ex-diretor nacional da PSP, e José Braz, que tem uma longa carreira na Polícia Judiciária e é especializado em investigação criminal.
As novas regras do Papa Francisco surgem após vários escândalos de abusos sexuais de menores por elementos da Igreja, bem como o encobrimento que houve em diversos casos pelo mundo fora. O decreto papal obriga os sacerdotes e os religiosos a denunciar suspeitas de abusos, assim como qualquer encobrimento. As referidas estruturas nas dioceses devem ter um sistema acessível a quem quiser fazer uma denúncia, bem como a total proteção e assistência aos denunciantes.
As normas que entraram no sábado em vigor são aprovadas, de forma experimental, por um triénio.
Foi após a cimeira que decorreu em fevereiro em Roma, onde se reuniram os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo e outros responsáveis religiosos para debater medidas de proteção a menores na Igreja Católica, que avançou esta nova legislação eclesiástica. No decreto, o Papa escreve que embora já muito se tenha feito, é preciso continuar "a aprender das lições amargas do passado a fim de olhar com esperança para o futuro" e que esta responsabilidade recai, em primeiro lugar, sobre os que estão no governo pastoral, exigindo empenho.
"Por isso, é bom que se adote, a nível universal, procedimentos tendentes a prevenir e contrastar estes crimes que atraiçoam a confiança dos fiéis", alerta o pontífice no preâmbulo das normas, em que manifesta o desejo de que o compromisso seja implementado de forma plenamente eclesial.
Estas normas aplicam-se "sem prejuízo dos direitos e obrigações estabelecidos em cada local pelas leis estatais", assinala o Papa, em particular no que diz respeito a "eventuais obrigações de denúncias às autoridades civis competentes".
Este decreto do Papa Francisco não impõe a violação do sigilo profissional dos sacerdotes. O Papa assinala que existe a obrigação dos religiosos de reportar prontamente eventuais casos aos superiores hierárquicos, mas sem usar informação obtida através do sacramento da confissão. O Código de Direito Canónico prevê em vários artigos (cânones) que o segredo da confissão nunca poderá ser violado.
O Código de Direito Canónico, que é citado pelo Papa no novo decreto, refere no número dois do artigo 1548 estarem "isentos da obrigação de responder a um juiz os clérigos no respeitante ao que lhes foi manifestado em razão do sagrado mistério [segredo da confissão]". O mesmo cânone inclui nesta isenção os magistrados civis, médicos, parteiras, advogados, notários e outros que estão obrigados ao segredo profissional, inclusive por motivo de conselho dado, no respeitante aos assuntos sujeitos a tal segredo.
O Papa Francisco determinou também que a quem fizer a denúncia não pode ser imposto qualquer ónus de silêncio a respeito do conteúdo da mesma, além de que são proibidas retaliações ou discriminações pelo facto de ter feito a sinalização de um caso.