Abra o baú e traga o que tem da Grande Guerra

<em>Portugal e a Grande Guerra</em>, patente na Academia Militar da Amadora, recebe os Dias da Memória
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Francisco Mata, professor de História no Liceu Camões, trouxe duas fotografias do espólio do avô, o coronel Artur Xavier da Mata Pereira, capitão durante a Primeira Grande Guerra (1914-1918). Uma mostra uma cozinha de campanha e nela lê-se - escrito à mão - "Os Cosinheiros". Na outra, uma trincheira em Angola.

Estamos num hangar da Academia Militar da Amadora. São cerca de 1000 m2 outrora vazios e agora repletos dos objetos - praticamente todos eles originais - que testemunharam a guerra no interior das trincheiras e no campo de batalha.

Há máscaras de gás, uma ambulância da Cruz Vermelha, estojos de primeiros socorros, objetos de fisioterapia ou postais enviados pelos soldados a suas famílias. Todos estes objetos compõem Portugal e a Grande Guerra, exposição patente até 11 de novembro e que é uma versão alargada daquela que, em 2014, foi produzida pela Assembleia da República e pelo Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa.

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Quando Francisco visitou a exposição passada ouviu uns militares dizerem: "É uma pena, está aqui muita coisa, mas falta o apito de trincheira." E ele, que tinha um, conta: "A minha filha brincava com ele e desapareceu."

Entretanto, o apito apareceu e o neto do coronel trouxe-o esta sexta-feira para ser fotografado e registado no portal nacional Portugal 1914 e no portal europeu Europeana 1914-1918, arquivos que que têm vindo a ser completados com todo o tipo de objetos que passaram pela Primeira Guerra ou façam parte da experiência de quem a viveu.

É por isso que a esta sexta-feira e sábado se chamam Dias da Memória. Está feito o convite a todos aqueles que, entre as 10.00 e as 19.00, queiram mostrar e salvaguardar a memória futura de recordações físicas de familiares que tenham participado na Primeira Guerra Mundial.

[citacao:Um saco de lona de despiolhamento é uma das maiores atrações da mostra]

Continuamos pelo antigo hangar de aviação. Se não se souber de que se trata, pouco se dá por ele, mas quando é reconhecido logo de torna uma das maiores atrações da mostra: um saco de lona de despiolhamento, que com inseticida, era posto sobre o homem que tinha os pés dentro de uma tina de água muito quente para que, com o vapor, os piolhos caiam dentro da tina. "Um dos grandes dramas desta vida infernal que era a vida nas trincheiras eram os ratos, os piolhos e todo o género de doenças que eles transmitiam" nota Cristina Gouveia, que com Gisela Encarnação coordena a produção e conteúdos da exposição.

Nas vitrinas de Portugal e a Grande Guerra há ainda um lenço com ilustrações numeradas que demonstram como estancar e cobrir uma ferida com aquele pedaço de tecido. Nele lê-se: Instituto Pasteur de Lisboa. "No outro dia estava a ler um livro de memórias em que um soldado dizia que o dele tinha [as ilustrações] e salvou-o. Ele tinha um estilhaço de granada, atou-se e sobreviveu", recorda Francisco Mata. Gisela Encarnação acrescenta: "É preciso pensar que nesta altura foram mobilizados 100 mil homens para a guerra, os níveis de iliteracia eram elevadíssimos, este lenço foi feito com estas ilustrações para eles saberem como é que o haviam de colocar."

Dentro daquele espaço enorme e cinzento - quase que se diria propositadamente bélico - encontramos uma cozinha de campanha numa réplica que servia de treino aos militares. Noutro corredor, uma peça de artilharia Schneider-Canet, 15 metros puxados por tração animal. Perto dela, se percorrermos um apertado corredor, chegamos a uma sala onde, num videojogo, visitamos o interior de uma trincheira para que se veja, como notava Cristina Gouveia, "que elas eram autênticas cidades, com enfermaria, zona de estar, armazém".

[citacao:Chegamos à rua e encontramos uma trincheira materializada]

Contudo, saindo - e passando por uma sala onde registos fílmicos da guerra são projetados - chegámos à rua e encontramos uma trincheira materializada. Foi ali replicada para que se perceba como era circular - e, literalmente, viver - dentro de uma.

Quando passamos para o edifício onde são recebidos os objetos a digitalizar, gravar ou fotografar para arquivo, naquele que era o primeiro Dia da Memória desta exposição, Vasco Callixto, 90 anos, jornalista e escritor, acabara de entregar o que trouxera. Dele e de uma vizinha que não pode vir.

"Ofereci umas fotografias que tinha tirado nos campos em que atuaram os soldados portugueses em La Lys [França, na mortífera batalha de 9 de abril de 1918]. Trouxe aquelas fotografias, tiradas em 1989, e um artigo que escreveu sobre a visita ao local.

"Sabe quem é o soldado Milhões?", perguntou ainda Vasco Callixto, referindo-se ao soldado português mais condecorado da Primeira Guerra. Trouxe algumas páginas que escreveu sobre ele, que se chamava Aníbal Augusto Milhais: "Fui lá à terra dele, a Trás-Os-Montes." Da vizinha trouxe um "diploma do sogro que destaca a ação dele na grande guerra e uma fotografia de um grupo de militares daquele tempo".

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