Aborto nos centros de saúde divide médicos

A Ordem dos Médicos considera que o alargamento da prática do aborto aos centros de saúde "transforma a interrupção em algo banal, o que é lamentável", referiu ao DN o bastonário, Pedro Nunes. Entre o argumentos contra a decisão da Direcção-Geral da Saúde (DGS) está o facto de poder "haver casos de mulheres que morram a caminho do hospital", na sequência de uma complicação.
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No caso da interrupção voluntária da gravidez (IVG) por via medicamentosa, a única possível nos centros de saúde, os riscos de complicação são raros, de acordo com o guia informativo desenvolvido pela DGS. A estes juntam-se os cerca de 2% a 5% dos casos em que a expulsão do conteúdo uterino não é completada, o que obriga à sua aspiração (cirurgia).

Pedro Nunes destaca que nestes casos "é preciso recorrer aos hospitais que estão disponíveis". A lei determina que o processo deve ser feito na mesma unidade de saúde e não em sítios diferentes. Assim, "o médico de família fica com uma grande responsabilidade. Nas localidades do interior, por exemplo, os postos estão fechados à noite", não tendo as mulheres unidades a que recorrer. Nestas situações, que podem, no limite, culminar na morte da mulher, "a situação acaba como sempre: com os médicos no banco dos réus", afirma.

Contrariamente, Luís Graça, presidente do colégio de obstetrícia da Ordem dos Médicos, não concorda com a posição do bastonário. "Os hospitais terão de resolver estes casos. Mais vale os hospitais receberem 10% de complicações do que 100% das interrupções da gravidez". Quando o aborto a pedido da mulher era ilegal "eram os hospitais que recebiam essas complicações. Por isso, vamos continuar a recebê-las". A mulher que tenha "uma hemorragia acima do normal, ou seja, mais abundante do que o habitual na menstruação", deve dirigir-se ao hospital e "não ficar à espera em casa", alerta.

O mesmo acontece com os abortos acima das dez semanas, que vão continuar a ocorrer e a ser considerados crime. Até agora, as IVG acima das dez semanas representavam "cerca de 20% do total, mas esperamos que as mulheres tomem a decisão de abortar com mais antecedência", afirma o chefe do serviço de ginecologia e obstetrícia do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.

Objecção difícil de declarar

A Ordem dos Médicos lembra, porém, outros problemas do alargamento da IVG aos centros de saúde. "Será difícil para um médico de família invocar a objecção de consciência perante uma grávida que ele conheça desde os três anos. O confronto é difícil quando se conhece a família".

Difícil é também lidar com outros constrangimentos ligados à prevenção e que teimam em continuar. "Parece que o aborto é um desígnio nacional. O Governo está a esforçar-se para promover o aborto no centro de saúde quando continuam a faltar anticoncepcionais e consultas de planeamento familiar em privacidade para os mais jovens" nestes locais, realça.

Luís Graça e Pedro Nunes estão de acordo num aspecto: a realização das ecografias para determinação do tempo de gravidez é complicada nos centros de saúde. "O material não está ao alcance", refere o bastonário.

O obstetra de Santa Maria refere que tudo terá de ser estruturado como acontece nos hospitais, com uma equipa apropriada, mas que será preciso saber "que tipo de apoio ecográfico têm os centros de saúde.

Em Lisboa, Porto ou Coimbra, trabalha-se com os convencionados, mas no interior do País será mais complicado". O estabelecimento de contratos com privados ou a sua realização em hospitais serão as únicas soluções.

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