Abel Ferrara: a série B que declara a independência

Já está em exibição 'Histórias de Cabaret', de Abel Ferrara, 'rei' da série B nova-iorquina, admirador de John Cassavetes e cultivador dos formatos tradicionais de acção e 'exploitation'.
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Num dos primeiros filmes de Abel Ferrara, Nova Iorque, Duas Horas da Manhã, Tom Berenger interpreta um ex-pugilista e segurança de um clube de strip da Times Square de Nova Iorque, que enfrenta um serial killer de strippers perito em artes marciais, conhecido como the kung fu slasher.

Times Square, striptease, garotas em perigo, um assassino em série, pugilismo contra artes marciais: Nova Iorque, Duas Horas da Manhã é a quintessência da série B independente de acção, elevada a um patamar superior pelo ofício cinematográfico de Abel Ferrara, admirador da improvisação e do experimentalismo de John Cassavetes, aplicados aos modelos de exploitation gostosamente assumidos e cultivados.

Nascido, criado e formatado para o cinema em Nova Iorque, Abel Ferrara, cujo Histórias de Cabaret está nos cinemas desde ontem, é um dos últimos e mais genuínos representantes de um cinema independente que ali quase sempre teve uma expressão mais "autoral", experimental e realista. E que em Ferrara encontra a sua vertente "negra", de acção, violência e erotismo, mas nunca sem dispensar o gosto pela economia de produção, pela experiência formal, pela liberdade narrativa, pelo verismo temático.

Abel Ferrara está para os bairros novaiorquinos mais populares e "duros" como Woody Allen para a cosmopolita e turística Manhattan. Os seus filmes são hinos agressivos e vertiginosos à fauna, aos conflitos, às sombras e às luzes, às vibrações e a todo o tipo de locais, dos clubes nocturnos aos refúgios dos delinquentes, dessa outra Nova Iorque, menos glamurosa, menos atractiva, mais violenta e muito menos politicamente correcta.

Dela brotaram filmes como The Driller Killer (1979), O Anjo da Vingança (1981), Nova Iorque, Duas Horas da Manhã (1984), A Rapariga da China (1987), O Rei de Nova Iorque (1990), Polícia Sem Lei (1992), Os Viciosos (1995), O Funeral (1996), ou O Nosso Natal (2001). (Antes, Ferrara tinha assinado uma série de curtas-metragens, bem como um filme pornográfico, 9 Lives of a Wet Pussy, sob o nome de Jimmy Laine, e também escrito pelo seu amigo e argumentista regular, Nicholas St. John).

É ironicamente significativo que Abel Ferrara tenha tido que se deslocar a Itália para filmar Histórias de Cabaret na Cinecittà. Como se já não conseguisse ou o deixassem fazer aquilo que melhor sabe no seu habitat natural.

E é de novo em Itália que Ferrara vai rodar o seu novo filme, o policial Pericle il nero, um prequel de O Rei de Nova Iorque, com Michael Pitt e o rapper Nelly. Seja como for, e agora na Europa o "rei" da série B de Nova Iorque continua a declarar a sua independência.

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