O Tribunal de Justiça da União Europeia aprovou uma decisão importante na semana passada, não sobre o Brexit, mas relativa ao quantitative easing (QE), flexibilização quantitativa numa tradução livre. Os juízes defenderam o "programa de compras do setor público" do Banco Central Europeu, como o QE é oficialmente conhecido..Para aqueles que têm seguido a longa história do litígio europeu, essa decisão não foi uma surpresa. Os eurocéticos alemães por trás deste caso acusaram o BCE de agir como uma rede de transferência financeira fraudulenta. Eles continuarão, sem dúvida, a sua implacável campanha política e legal para frustrar a governança efetiva da zona euro. Não conseguiram até agora, mas continuarão a tentar..Mario Draghi, presidente do BCE, estava certo ao dizer que "o QE é agora parte da caixa de ferramentas, é permanente e é algo que pode ser concebido como potencialmente utilizável em contingências"..É difícil exagerar a importância do QE como um instrumento durante a crise da zona euro, quando desbloqueou canais financeiros entupidos. Também é difícil exagerar a presença de uma reserva de 2,1 biliões de euros em títulos nacionais da zona euro na folha de balanço do BCE atualmente. Esta é uma soma que poderia, quando necessário, ser emprestada como garantia nas transações financeiras do setor privado. Os ativos no balanço do banco central têm algumas das características de um respaldo financeiro..Mas isto é apenas parte da história, a parte boa. A notícia não tão boa assim é que o QE não foi tão bem-sucedido em atingir o objetivo principal de elevar as taxas de inflação oficiais na zona euro. Embora a taxa global para novembro tenha sido de 2%, a meta do BCE, a dinâmica subjacente da inflação tem sido consistentemente mais fraca. A taxa básica de inflação mais estável - excluindo itens voláteis como a energia e os alimentos - está em cerca de 1%. Tem estado abaixo dos 2% desde há dez anos..A outra má notícia é que as compras de ativos líquidos terminam neste mês. O QE fez o trabalho de estabilizar a economia da zona euro durante a crise. Prolongá-lo não alteraria fundamentalmente a trajetória de crescimento da economia..A notícia verdadeiramente má é que a economia pode afundar-se mais cedo. O BCE tem um histórico de previsões otimistas. Há sinais de desaceleração no crescimento global que as previsões ainda não capturaram. Estamos num mercado em baixa para ações. Há uma forte probabilidade de que o presidente dos EUA, Donald Trump, imponha uma tarifa de 20% ou 25% sobre os carros europeus. Há também, a meu ver, uma probabilidade não negligenciável de um Brexit duro..Cada uma destas coisas constituiria um choque económico por si só. Em combinação, elas poderiam ter uma magnitude semelhante à crise financeira global. A nível político, poderíamos ter vontade de admirar os líderes da UE pela sua coragem em enfrentar Donald Trump ou Theresa May, a primeira-ministra do Reino Unido. Mas, considerando a falta de um instrumento de política monetária forte, aconselho cautela. É também improvável que a zona euro permita um grande estímulo orçamental para toda a economia como um contrapeso anticíclico a uma recessão. O miniorçamento da zona euro, acordado pelos líderes da UE na semana passada, não terá elementos contracíclicos..O que eu temo é que a zona euro mergulhe numa recessão económica e, desta vez, Mario Draghi não estará em condições de vir em seu socorro, como fez em 2012 e 2015..Existe alguma coisa que ele possa fazer? Para começar, o BCE pode decidir não aumentar as taxas. A sua orientação atual sugere que as taxas de juro permanecerão estáveis até ao verão, mas possivelmente aumentarão depois disso..À medida que forem chegando mais evidências da desaceleração económica, a realidade irá fazer que as taxas de juros não subam. As duas taxas de juro mais importantes - para depósitos overnight e operações normais de refinanciamento - são de -0,4% e 0%, respetivamente. É possível que o BCE possa simplesmente deixar essas taxas inalteradas ou mesmo vir a reduzi-las um pouco. Mas é difícil argumentar que os cortes nas taxas de juro poderão fazer o trabalho pesado. O QE também não o poderá fazer. Apesar das negações oficiais, estamos num cenário de deflação japonesa. Então, o que resta?.O BCE poderia, por exemplo, retomar o QE a determinado momento, seria uma ajuda complementar. Poderia começar a ampliar os seus programas e comprar ações de empresas para incentivar o investimento. Elas poderiam comprar carros a gasóleo não vendidos. Mas eu não deteto um forte apetite por medidas que mesmo o pouco convencional Draghi consideraria não convencionais..Além disso, imaginemos a reação da Alemanha às compras de ações de empresas de moda italianas pelo BCE. Ou a uma taxa de juro negativa para as contas-poupança alemãs. Suspeito que a determinada altura os desafios legais podem começar a ganhar força..A zona euro tem sido uma união monetária com problemas desde o início da crise financeira global em 2007. Falta-lhe a vontade política para se reformar. Ficou sem instrumentos implementáveis de política monetária e, agora, tem à sua frente uma recessão económica..© The Financial Times Limited, 2018.
O Tribunal de Justiça da União Europeia aprovou uma decisão importante na semana passada, não sobre o Brexit, mas relativa ao quantitative easing (QE), flexibilização quantitativa numa tradução livre. Os juízes defenderam o "programa de compras do setor público" do Banco Central Europeu, como o QE é oficialmente conhecido..Para aqueles que têm seguido a longa história do litígio europeu, essa decisão não foi uma surpresa. Os eurocéticos alemães por trás deste caso acusaram o BCE de agir como uma rede de transferência financeira fraudulenta. Eles continuarão, sem dúvida, a sua implacável campanha política e legal para frustrar a governança efetiva da zona euro. Não conseguiram até agora, mas continuarão a tentar..Mario Draghi, presidente do BCE, estava certo ao dizer que "o QE é agora parte da caixa de ferramentas, é permanente e é algo que pode ser concebido como potencialmente utilizável em contingências"..É difícil exagerar a importância do QE como um instrumento durante a crise da zona euro, quando desbloqueou canais financeiros entupidos. Também é difícil exagerar a presença de uma reserva de 2,1 biliões de euros em títulos nacionais da zona euro na folha de balanço do BCE atualmente. Esta é uma soma que poderia, quando necessário, ser emprestada como garantia nas transações financeiras do setor privado. Os ativos no balanço do banco central têm algumas das características de um respaldo financeiro..Mas isto é apenas parte da história, a parte boa. A notícia não tão boa assim é que o QE não foi tão bem-sucedido em atingir o objetivo principal de elevar as taxas de inflação oficiais na zona euro. Embora a taxa global para novembro tenha sido de 2%, a meta do BCE, a dinâmica subjacente da inflação tem sido consistentemente mais fraca. A taxa básica de inflação mais estável - excluindo itens voláteis como a energia e os alimentos - está em cerca de 1%. Tem estado abaixo dos 2% desde há dez anos..A outra má notícia é que as compras de ativos líquidos terminam neste mês. O QE fez o trabalho de estabilizar a economia da zona euro durante a crise. Prolongá-lo não alteraria fundamentalmente a trajetória de crescimento da economia..A notícia verdadeiramente má é que a economia pode afundar-se mais cedo. O BCE tem um histórico de previsões otimistas. Há sinais de desaceleração no crescimento global que as previsões ainda não capturaram. Estamos num mercado em baixa para ações. Há uma forte probabilidade de que o presidente dos EUA, Donald Trump, imponha uma tarifa de 20% ou 25% sobre os carros europeus. Há também, a meu ver, uma probabilidade não negligenciável de um Brexit duro..Cada uma destas coisas constituiria um choque económico por si só. Em combinação, elas poderiam ter uma magnitude semelhante à crise financeira global. A nível político, poderíamos ter vontade de admirar os líderes da UE pela sua coragem em enfrentar Donald Trump ou Theresa May, a primeira-ministra do Reino Unido. Mas, considerando a falta de um instrumento de política monetária forte, aconselho cautela. É também improvável que a zona euro permita um grande estímulo orçamental para toda a economia como um contrapeso anticíclico a uma recessão. O miniorçamento da zona euro, acordado pelos líderes da UE na semana passada, não terá elementos contracíclicos..O que eu temo é que a zona euro mergulhe numa recessão económica e, desta vez, Mario Draghi não estará em condições de vir em seu socorro, como fez em 2012 e 2015..Existe alguma coisa que ele possa fazer? Para começar, o BCE pode decidir não aumentar as taxas. A sua orientação atual sugere que as taxas de juro permanecerão estáveis até ao verão, mas possivelmente aumentarão depois disso..À medida que forem chegando mais evidências da desaceleração económica, a realidade irá fazer que as taxas de juros não subam. As duas taxas de juro mais importantes - para depósitos overnight e operações normais de refinanciamento - são de -0,4% e 0%, respetivamente. É possível que o BCE possa simplesmente deixar essas taxas inalteradas ou mesmo vir a reduzi-las um pouco. Mas é difícil argumentar que os cortes nas taxas de juro poderão fazer o trabalho pesado. O QE também não o poderá fazer. Apesar das negações oficiais, estamos num cenário de deflação japonesa. Então, o que resta?.O BCE poderia, por exemplo, retomar o QE a determinado momento, seria uma ajuda complementar. Poderia começar a ampliar os seus programas e comprar ações de empresas para incentivar o investimento. Elas poderiam comprar carros a gasóleo não vendidos. Mas eu não deteto um forte apetite por medidas que mesmo o pouco convencional Draghi consideraria não convencionais..Além disso, imaginemos a reação da Alemanha às compras de ações de empresas de moda italianas pelo BCE. Ou a uma taxa de juro negativa para as contas-poupança alemãs. Suspeito que a determinada altura os desafios legais podem começar a ganhar força..A zona euro tem sido uma união monetária com problemas desde o início da crise financeira global em 2007. Falta-lhe a vontade política para se reformar. Ficou sem instrumentos implementáveis de política monetária e, agora, tem à sua frente uma recessão económica..© The Financial Times Limited, 2018.