A violinista que fez de Bach um terreno de experimentação
Hoje ao final da tarde (19.00), Alina Ibragimova inicia uma maratona no Grande Auditório da Gulbenkian: a violinista russa toca três das seis Sonatas e Partitas para violino solo de Johann Sebastian Bach; faz um intervalo de cerca de uma hora; e retoma, tocando as restantes três. Na globalidade, estamos a falar de duas horas e meia de música, integralmente tocada de cor! Um desafio radical, bem ao feitio desta violinista também ela radical.
Menina-prodígio, em Alina tudo foi sempre precoce. Inclusivé a sua relação com Bach e as suas sacrossantas sonatas e partitas: desde os 17 anos que, por sua própria admissão, tinha uma atitude experimental em relação ao repertório consagrado e, o que é mais, particularmente com Bach! E foi avante, consciente de que nunca iria de encontro às expectativas dos professores; e, de caminho, deixou de participar em concursos, pois sabia que as suas leituras seriam sempre consideradas demasiado pouco ortodoxas para alcançarem boas pontuações.
Por aqui se vê a extraordinária confiança de Alina no seu instinto musical e na sua capacidade de penetração intelectual e emocional das obras que interpreta. Algo de tão forte, tão imanente que a faz dizer nunca ficar nervosa antes de um concerto. Talvez porque ela encare cada concerto como uma experiência de fusão recíproca entre músico, público, obra e compositor. Já o famoso Yehudi Menuhin, cuja escola ela frequentou (a família mudou-se para Inglaterra tinha ela 11 anos), viu na então menina de 12-13 anos algo de muito especial. Não se enganou, pois de então para cá, Alina, hoje com 29 anos, tem vindo a confirmar tudo quanto foi prometendo ao longo da sua fase juvenil.
A sua discografia alterna "cavalos de batalha" com pérolas desconhecidas, com Bach (gravou as seis obras que hoje toca em 2009), Beethoven - integral das Sonatas para violino e piano - e concertos de Mendelssohn. Mas, depois, também gravou a integral para violino de Karl Amadeus Hartmann; os concertos para violino do seu compatriota, o modernista Nikolay Roslavets; e a integral para violino e piano de Karol Szymanowski. Chamaram à sua gravação de Bach "radical e incendiária", elogiando o seu som limpo e quase desprovido de 'vibrato', a sua abordagem sem concessões nem "escapatórias", isto numa música que, pelas suas características, é considerada dos desafios mais exigentes e arriscados a que um violinista se pode expor. Shostakovitch ainda não gravou, mas ela afirmou em certa ocasião que a leitura do 'Doutor Jivago', de Pasternak, mudou profundamente a forma como interpreta o 'Concerto para violino n.º 1'.
Alina toca um Guarneri de 1738, que define como "muito rico nos graves, capaz de um grande brilho quando requerido e com um som muito equilibrado". As Sonatas e Partitas de Bach datam de 1717-20. Estruturam-se em quatro andamentos, exceto a 'Partita 2' (com cinco) e a 'Partita 3' (com sete). A 'Partita 1' tem a particularidade, ainda, de cada um dos quatro andamentos ser provido de um 'Double', isto é, uma repetição ornamentada. Particularmente famosa é a 'Partita n.º 2', em ré menor, mormente pela sua monumental 'Chaconne' (o 5.º andamento).