Há um gesto delicado, minucioso, que requer muita precisão, naquele segundo em que o x-ato separa para sempre o papel do açúcar, esvaziando o pacote. É uma espécie de ritual que os colecionadores, que neste fim de semana se reúnem em Leiria no XIV PortSugar, desenvolvem, qualquer coisa que os une para sempre. Não se sabe ao certo quantos são em Portugal, mas sabe-se que crescem e se multiplicam, à medida que o vício entra na casa de uma qualquer família. "O ideal é guardá-los vazios, sem açúcar, por causa das humidades". Ou das formigas..Vítor Pereira, 60 anos, explica ao detalhe como é que um hobby da filha o contagiou para sempre. Rita tem 18 anos e é estudante da área alimentar. Ela e o pai fazem uma dupla imbatível quando toca a colecionar pacotes de açúcar, embora ele tenha começado por colecionar outras coisas: postais, moedas e selos..Na localidade da Martingança, concelho de Alcobaça, todos sabem que a família alimenta aquele gosto. Em redor, amigos e colegas identificam-no como colecionador de mão cheia, e o mesmo acontece até na papelaria Americana, que lhe vende as bolsas de plástico adequadas para guardar os pacotes. "Sempre viajei muito, e isso trouxe-me a possibilidade de juntar muitos pacotes de açúcar", conta ao DN Vítor Pereira, dirigente da Associação de Futebol de Leiria, enquanto relata as deslocações ao serviço da Federação Portuguesa de Futebol, no país e no estrangeiro, que lhe trouxeram um mundo mais doce.."Nos hotéis, como há aquelas edições personalizadas, é sempre fácil recolher alguns", acrescenta, ele que gasta todo o tempo livre de volta dos pacotes, catalogando tudo. A coleção já ultrapassa os 20 mil pacotes, numa altura em que se dedica sobretudo aos que são de origem nacional. É assim, de resto, a maioria dos colecionadores em Portugal, todos conhecedores das raridades que pululam no país. "Nós já sabemos que há séries mais difíceis de encontrar. Por exemplo os do Fiesa (Festival Internacional de Cultura em Areia), no Algarve, da Expo Silves, das colheitas de Vila Verde ou da feira medieval de Castro Marim", explica Vítor Pereira. Por cá, a marca de café que mais séries coloca na rua continua a ser a Delta, ocasionalmente através de uma marca que integra igualmente o grupo Nabeiro, a Camelo. É assim que se promove a sopa da pedra de Almeirim, tornando os pacotes de açúcar promocionais parte dos mais apetecíveis em Portugal..Juntar o útil ao agradável.Em média, uma caixa de açúcar custa dez euros, e integra séries de dez pacotes. Mas há muito dinheiro em jogo misturado entre o vício e a paixão de colecionar pacotes de açúcar. "Há pacotes que custam dois ou três euros, mas já vi chegarem aos dez, por exemplo numa série que tinha sido retirada do mercado", lembra Vítor Pereira. Foi há anos, quando um patrocinador da Expo Silves obrigou a retirar os pacotes que promoviam o evento, por não ter dado autorização para que fosse usada a sua imagem. Afinal, acabou assim por lhes dar uma importância que nunca teriam, se só servissem para divulgar a feira..De Alcobaça ao Barreiro são duas horas de distância, coisa pouca se compararmos as milhas que Adolfo Lopo já percorreu em busca de pacotes de açúcar. É lá, na freguesia do Lavradio, que mora o atual presidente do Clube Português de Colecionadores de Pacotes de Açúcar, uma associação que reúne perto de 500 associados. Há vários dias que aquele dirigente se mudou para Leiria, onde neste fim de semana decorre o 14.º encontro de colecionadores. A sua contribuição para a causa rondará os 130 mil pacotes de açúcar, "isto porque faço coleção de pacotes a nível mundial", contou ao DN. Começou a juntá-los por volta de 2000, aliando esse gosto a outro que lhe adoça os dias: viajar. Não raramente, os colecionadores nascem assim, entre as lojas de um aeroporto e os bares de hotel, ou quando passeiam pelos cafés das cidades. A verdade é que muitos acabam viciados em café, como atesta Adolfo Lopes..Ele próprio deparou-se a dada altura com um problema de saúde que decorria daí. "Costumo dizer que quando vou tomar a bica é para comprar o pacote de açúcar, e oferecem-me o café", diz em tom jocoso mas autêntico. É certo que já pagou bem mais do que 60 cêntimos por um pacote de açúcar, embora bem menos do que alguns colecionadores que conhece: "Há pacotes que podem chegar a custar 700 euros, por serem verdadeiramente raros. E também é verdade que há gente que faz disto vida..O máximo que já despendi foram cinco euros, para acabar uma série." Algumas tornam-se verdadeiras raridades, como aquela da Base Aérea de Talavera, em Espanha, ou outra, conhecida como "os três is"..À conta deste "bichinho que se instalou" lá em casa, tem feito amigos no mundo inteiro. Alguns hão de juntar-se a ele durante o encontro de Leiria, a par de muitos colecionadores nacionais..O colecionador de encontros.Joaquim Matos é um alentejano radicado em Castelo Branco, que não falha um encontro. Também ele colecionava calendários e outras miudezas, quando começou a juntar pacotes de açúcar "por curiosidade". Foi há 15 anos, numa altura em que o filho mais velho era ainda pequeno, e também o incentivava. Com o tempo, cresceu a família e a coleção, ao ponto de se tornarem inseparáveis. "Vai sempre a família toda aos encontros de colecionadores. E eu nunca falho um evento", adianta este comercial de 52 anos, incapaz de contabilizar todos os pacotes que tem. Não foi ainda há muito tempo que começou a guardar os pacotes sem o açúcar, mas percebe que é muito melhor assim, Olha para as pastas arquivadoras e faz a conta por alto: "Se tenho 45 pastas e cada uma tem mais de mil pacotes... já viu quanto é que isto dá?" Muito, a juntar ao que se amontoa numa mesa, lá em casa, ainda à espera de um lugar na prateleira. "Todas as séries que saem tento comprar logo", diz ao DN, enquanto prepara o arsenal que o acompanha para todo o lado. "A minha banca é sempre a maior, com oito ou nove metros", conclui, orgulhoso. "Passo todo o meu tempo livre de roda dos pacotes de açúcar. É uma coisa de que gosto, mesmo.".A Pacotada.Se é verdade que a internet veio a ajudar muitos dos colecionadores a enriquecerem o espólio, facilitando as trocas, existe um site que se assume como uma espécie de lugar seguro que preserva séries, marcas, e facilita contactos. Basta digitar o www.pacotada.com para perceber como funciona o admirável mundo dos pacotes de açúcar em Portugal. O responsável pelo feito é Carlos Brás, um engenheiro informático programador que desde 2009 se dedica também ao colecionismo do género. Começou por ajudar a mulher, Guiomar, a completar a coleção que fazia, mas aos poucos tornou-se também ele um entusiasta. Por esta altura contabiliza cerca de 20 mil pacotes de açúcar, apenas em português..É ele que alimenta a página, que gere toda a informação da Pacotada. Por defeito profissional, foi experimentando várias funcionalidades. Atualmente a página tem uma área restrita, pelo preço simbólico de um euro por mês, "para cobrir as despesas com o servidor, que nos primeiros anos eram suportadas por mim e por mais dois colegas". E ali é possível encontrar toda a informação de que precisa um colecionador: a divulgação dos pacotes de açúcar que vão surgindo em Portugal. "Ao mesmo tempo, e dentro da disponibilidade possível, também se vai realizando a catalogação dos pacotes individuais, a começar pelos pacotes referentes a Marcas de Café Portuguesas ou que circulam ou circularam por cá." São aos milhares. Muitos hão de passear-se até Leiria nas bolsas dos donos, para felicidade de Carlos, que ao fim de anos a falar com colecionadores à distância virtual de um computador os recebe finalmente na sua cidade natal.