A vida desassossegada dos patos que resistem nos jardins de Lisboa
Vida de pato em Lisboa não é fácil. Morrem debaixo dos carros, são perseguidos por cães ou ladrões de aves ou apedrejados por miúdos que se entretêm a desassossegar os habitantes dos lagos da cidade. Talvez por isso os patos não têm poiso certo: do lago do Campo Grande saltam para o Alto do Parque Eduardo VII e dali batem asas até ao Parque da Serafina ou rumo ao Jardim da Estrela.
Paulino Valente, tratador do Jardim Teófilo Braga (Parada), em Campo de Ourique, salvou dezenas de patos das garras dos cães, mas isso não lhe traz grande consolo. A maioria das aves não permanece ali muito tempo e só ficou o patinho defeituoso. "Aquele, coitadinho, partiu uma asa durante uma perseguição", conta o jardineiro, apontando para o único bicho que chapinha na água.
Há dois anos, eram 12 os patos- -bravos que viviam no Jardim da Parada. Agora estão por toda a cidade. Paulino Valente foi de propósito a cada um dos sítios ver onde paravam os seus bichos: "Encontrei-os no Jardim da Estrela e no Campo Mártires da Pátria". Seriam os mesmos? Para quem duvida, jardineiro garante: "São 14 anos a trabalhar aqui e não há como enganar." Enquanto ele está de vigia, ainda vai controlando a fúria canina. Ralha com os donos por deixar os cães à solta e dá uma ajuda aos patos para chegarem à água: "Dentro do lago eles estão em segurança."
No Alto do Parque Eduardo VII, Júlio Pico está desolado. No sábado passado, um "bando de rufias" abateu à pedrada nove patos-marrecos (pato-real). "Só ficaram dois", diz o funcionário do restaurante Botequim do Rei, junto ao lago do jardim. O empregado passa as tardes a atender os pedidos de quem está na esplanada, mas ainda assim tem tempo para deitar o olho aos habitantes do lago. Os colegas chamam-lhe o "maluquinho dos patos", mas ele pouco se importa e tem grandes planos para os animais. Encheu o peito de coragem e pediu autorização ao gerente para cultivar um jardim para as aves. "Aproveitei um canteiro para plantar arbustos, lírios asiáticos e gladíolos. Daqui a dois meses estará tudo a florir." O pedaço de terra não serve só para enfeitar: "Os ovos dos cisnes apodrecem pois não há locais secos para serem chocados."
No Verão, haverá novos ninhos graças a um "simples empregado de mesa", que cresceu rodeado de animais e não sabe viver longe deles.
No jardim do Campo Mártires da Pátria, ainda há gansos, galinhas, pavões e até três pintainhos que nasceram há duas semanas, mas os frequentadores do jardim sentem a falta dos outros "bicharocos" que, entretanto, morreram. "Durante anos a fio, o casal de fraques foi a grande atracção", conta Raul Oliveira, de 76 anos. Mas os dois patos cinzentos cobertos de bolinhas brancas ficaram debaixo de um carro quando atravessaram juntos a estrada.
O mesmo aconteceu à "pata Joana" e ao pavão-albino fêmea que "apareceram mortos na berma da estrada", recorda Lurdes Alferes. Resta o conforto de saber que a ave albina deixou descendência: "O filho dela anda por aí a exibir as suas penas a uma fêmea." Um destes dias, haverá filhotes de pavão a brincar no jardim.|