A vida de Maria contada através de 370 obras-primas
Ao longo de quase 800 páginas propõem uma viagem pelas representações artísticas da Virgem Maria, a partir de 370 obras-primas da pintura e da escultura de todas as épocas, às quais associaram um pequeno texto.
A tarefa, que as ocupou durante cerca de um ano, foi editada em Portugal pelo Círculo de Leitores em dezembro.
Organizado em onze secções, o livro percorre a iconografia dedicada a Nossa Senhora desde as "Profecias e Prefigurações Marianas" até às "Festividades Marianas", passando, claro está, pelos mais importantes episódios da vida de Maria.
Por e-mail, as historiadoras explicam ao DN como chegaram a esta seleção que inclui obras de Rafael, Leonardo Da Vinci, Caravaggio, Rembrandt, Miguel Ângelo ou Gauguin. Depois de Maria, o próximo desafio é contar a Bíblia através de obras de arte, revelam.
Pode dizer-se que há um "pintor oficial" de Maria?
Não há um "pintor oficial". Foram muitos os pintores que se aventuraram na representação da Virgem. No entanto, se tivéssemos de escolher um representativo, seria certamente Rafael: podemos encontrar as suas Madonas nos melhores museus do mundo, desde a Madona da Rosa do Museu do Prado, em Madrid, à Madona do Pintassilgo das Galerias Uffizi, em Florença.
Como surgiu a ideia de criar uma coleção visual dedicada a Nossa senhora?
A ideia de escrever um livro dedicado a Nossa Senhora foi desenvolvida em cooperação com a editora Mondadori Electa, que iniciou uma coleção dedicada à iconografia sagrada. A editora já tinha publicado outros volumes dedicados a santos e a anjos e propôs-nos a criação de um livro sobre a figura da Madona na arte e nos artistas ao longo dos tempos. Aceitámos com entusiasmo e apostámos em força no projeto, que nos manteve ocupadas durante cerca de um ano. O resultado foi tão satisfatório que a Mondadori Electa nos pediu para também sermos as autoras dos textos do próximo volume, dedicado à Bíblia, desde o Antigo ao Novo Testamento, contada através de obras de arte.
370 imagens desde o século II ao XX. Pode dizer-se que é quase um dos trabalhos de Hércules. Imagino que tenham visto, pelo menos, milhares de imagens para chegar a esta seleção...
De facto, pesquisámos imenso imagens, com muito prazer. Fizemos uma lista para cada item selecionado, com as obras preferidas. O departamento iconográfico da Mondadori Art pôs uma excelente iconógrafa a trabalhar connosco, Simona Pirovano, que, ainda nos propôs mais itens, pôs-nos a ver muitas mais imagens e, em alguns casos, alterámos a nossa primeira seleção.
A primeira imagem é um detalhe do Pecado Original, do tríptico de Hieronymus Bosch O Carro de Feno. Porque escolheram essa imagem para iniciar o livro dedicado às representações visuais de Nossa Senhora mostrando uma imagem de Eva?
Era inevitável começar um livro sobre iconografia de Maria com a imagem da mulher que deu à luz a raça humana. As ligações entre Eva e Maria são múltiplos. Eva comeu o fruto da Árvore de Deus cometendo o pecado original. E se foi Eva, uma mulher que trouxe o pecado ao mundo, também foi uma mulher, Maria, que libertou o mundo do pecado. Tal como Eva é a mãe dos pecadores, também Maria é a mãe da raça humana que foi aliviada do pecado.
Para além de Eva, muitas outras mulheres aparecem representadas na primeira parte do livro. E até homens, como Isaías ou Daniel. Porque sentiram a necessidade de também incluir essas imagens?
O livro começa com um secção dedicada a profecias e pré-figurações marianas, passando pelas previsões do Antigo Testamento sobre a chegada de um Messias que iria nascer de uma Virgem. Maria é pré-figurada em várias figuras femininas do Antigo Testamento que partilham as suas virtudes e traços. A figura de Isaías foi incluída por anunciar a chegada de Cristo nascido de uma Virgem. Já a história de Daniel, ileso mas fechado por uma noite no covil dos leões, é uma alusão à virgindade de Maria. A imagem do covil selado e intocado refere-se ao ventre de Maria que se manteve intacto mesmo depois do parto.
Na segunda parte do livro, dedicado aos símbolos, deparamo-nos com muitos e variados símbolos relacionados com a imagem de Maria. Quais são os mais populares?
Os atributos mais populares da Virgem são, sem dúvida, o lírio, o rosário e o livro. O lírio sugere a sua pureza e inocência pois nasceu sem qualquer culpa. O rosário refere-se a muitas pequenas rosas numa roseira ou num roseiral; seguindo a tradição medieval, guirlandas de flores eram colocadas na estátua da Virgem e a cada rosa correspondia uma bonita e aromática oração dedicada à Virgem.
Encontraram algum símbolo especialmente inesperado?
Um dos símbolos mais inesperados é, certamente, a torre. O simbolismo da torre, celebrado na Canção das Canções, está ligado sobretudo à ideia da beleza física de Maria. A torre representa a feminilidade estável, segura e inacessível de Maria. Para além disso, a associação com a Torre de Babel é imediata, a "porta de deus", sugerindo que a função original da torre foi a comunicação entre o Homem e o divino, exatamente o papel de Maria.
Quais as características mais peculiares que encontraram como definidoras da imagem de Nossa Senhora e o que nos dizem?
A maternidade é o principal papel de Maria, sancionado no Concílio de Éfeso (431) quando lhe foi atribuído o título de Mãe de Deus. Ela é o ideal de mãe, que toma conta do seu filho, que o cria, preocupa-se com ele e o apoio ao longo de toda a sua vida. O maior mistério em torno da figura de Maria é a sua virgindade, que se mantém intacta antes, durante e depois do nascimento de Jesus. Para além disso, Maria é uma rainha. Depois de ter ido para o Paraíso, foi coroada por Deus Pai, por Jesus e pelos anjos como rainha de todos os fiéis de Deus.
O casamento de Maria com José nunca é referido nas Escrituras Sagradas no entanto, é um dos temas muito representado na arte. Por alguma razão específica?
Embora não seja narrado em nenhuma fonte, o casamento de Maria e José é frequente na arte, provavelmente, porque representa a união nupcial, o culminar do amor entre os pais de Jesus. Também podemos imaginar que muitos artistas se dedicaram a este episódio por uma questão de liberdade de expressão, livres de qualquer obrigação de seguirem regras estabelecidas pela iconografia tradicional e pela própria Igreja.
De entre os vários momentos da vida de Maria, quais são os mais representados?
Para além do já referido episódio do casamento entre Maria e José, que tantas vezes acendeu a imaginação dos artistas, podemos também apontar a Anunciação e a Visitação; claro que não nos podemos esquecer da Natividade como um dos episódios mais populares entre as representações em obras de arte. A Anunciação é, sem dúvida alguma, um dos episódios da vida de Maria que mais encantou os cristãos desde o princípio dos tempos. De facto, trata-se de um dos primeiros episódios representados na arte. Outro episódio que é frequentemente representado na arte é Maria visitando a sua prima Isabel. Ela recebe a Virgem com a exclamação: "Ave maria cheia de graça, o senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres".
A Natividade tem atraído a imaginação dos artistas mais do que qualquer outro evento. O nascimento de Jesus surge envolto em diferentes ambientes, de acordo com a incongruência das fontes. Íntimo, evocativo e tocante é também a cena da Pietá, igualmente ausente das fontes. A devoção popular criou a iconografia que ao longo dos tempos adquiriu uma composição autónoma, passando a ter um sentido universal: a dor imensa da mãe perante a morte do seu filho.
Identificaram grandes diferenças na representação de Maria ao longo dos séculos? Houve algum momento em que houve grandes mudanças na sua representação?
A representação de Nossa Senhora é um dos temas mais comuns ao longo da história. Não identificámos qualquer momento de "revolução" na sua representação pois, como disse o historiador de arte [austríaco] Alois Regl, em 1901, todas as eras e todas as pessoas têm um "desejo artístico" que se reflete no trabalho dos artistas num determinado período ou região. É este desejo artístico que determina a homogeneidade dos estilos e a sua sucessão no tempo.
Ficha do livro
Título: Maria
Autoras: Martina Degl"Innocenti e Stella Marinone
Editora: Círculo de Leitores
Preço: 24,98 euros