Saúde mental: A vergonha, a vontade de chorar e o grito de ajuda por detrás das medalhas

Vanessa Fernandes, Inês Henriques e Bárbara Timo admitiram quadros de depressão em competição. Atletas lutam contra o estigma e discriminação da saúde mental.
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A demora a assumir o problema e a pedir ajuda dificulta o diagnóstico e agrava a saúde mental nos atletas de alta competição, como provam os testemunhos de Vanessa Fernandes, Inês Henriques e Bárbara Timo, durante o Seminário de Saúde Mental no Desporto de Alta Competição, organizado pela Associação de Atletas Olímpicos de Portugal (AAOP) e pela Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental (SPPSM).

Vanessa Fernandes é uma das cinco atletas mulheres medalhadas Olímpicas em Portugal, a par de Rosa Mota, Fernanda Ribeiro, Vanessa Fernandes, Telma Monteiro e Patrícia Mamona. E isso diz muito da pressão que sentiu para ser uma atleta exemplar e a dificuldade em admitir e comunicar que algo não estava bem, o que a levou a mergulhar no esquecimento mediático. Só no ano passado revelou ao mundo que tinha sofrido de bulimia e depressão. Um quadro clínico que já tinha quando conquistou a medalha de prata olímpica, em Pequim 2008.

"O ano de 2017 foi importante porque foi quando disse chega. E isso foi muito complicado. As ajudas que existiam para mim, na altura, não as conseguia agarrar porque não confiava e sentia que ninguém me compreendia, além da vergonha imensa que tinha. Tive de começar um processo de autoconhecimento e esse tem sido o meu trabalho nos últimos cinco anos, conhecer a minha história e o meu passado", confessou ontem medalhada olímpica, durante o seminário, realizado no Fórum Lisboa.

A questão da saúde mental no desporto de alta competição entrou na ribalta mundial quando, em 2016, o nadador Michael Phelps (o atleta olímpico mais titulado da história, com 28 medalhas) admitiu sofrer de depressão e revelou ter tentado o suicídio. E entrou definitivamente na agenda mediática quando a ginasta Simone Biles desistiu durante os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020. "Ela teve a capacidade de alertar para este problema. É preciso ter memória para ter história, é preciso criar a sustentabilidade do tema", defendeu Luís Monteiro, líder da AAOP.

A pandemia agravou o problema. Segundo dados revelados, desde março de 2020, cerca de 70% dos atletas revelaram problemas de saúde mental - até então o número variava entre 40 e 50%. A judoca Bárbara Timo foi uma das vítimas. Foi-lhe diagnosticada uma depressão, que a obrigou a anunciar que ia fazer uma pausa.

O ouro no Grand Slam Paris 2021 e o bronze nos mundiais deste ano foram conquistas pós-depressão. "Faço muitas consultas com o psicólogo do clube (Benfica) e tenho um mental coach, porque, apesar de agora não duvidar das minhas capacidades, ainda tenho dúvidas sobre o que é ser mulher e ser atleta, e sobre o que vou fazer pós-carreira", disse a judoca, admitido que o yoga e a meditação ajudam "a ganhar consciência corporal".

Bárbara Timo teve de "combater os pensamentos mais negativos" para voltar ao topo: "O meu medo faz-me estudar mais os adversários, obriga-me a ir ao psicólogo e a chorar, porque é isso que faço lá, para entregar os meus medos e as minhas dúvidas. O medo leva-me a ser a primeira a chegar ao treino e a última a sair. Tudo isto para que o dia da competição seja um dia de festa."

O mesmo diagnóstico - depressão - levou a marchadora Inês Henriques, campeã mundial dos 50 quilómetros marcha, em Londres 2017, a pedir ajuda antes de correr o Mundial em 2021. "Nem sempre é fácil, mas tento fazer uma gestão psicológica diferente e tento manter o equilíbrio", disse a atleta de 42 anos, que espera terminar a carreira em Paris 2024.

Rosa Mota, campeã olímpica na maratona em 1988, esteve presente e disse nunca ter sofrido de distúrbios do foro mental enquanto competia. "Nunca senti necessidade deste tipo de ajuda. Sempre adorei treinar, sempre adorei competir, entendi sempre a competição como um desafio e não tive medo dos meus desafios e acho que me saí bem", referiu.

Mas há quem tenha problemas e seja julgado por isso. "Existe o estigma e a discriminação. Muitas vezes é o próprio atleta que se auto-estigmatiza e tem vergonha de comunicar à família, ao treinador e aos próprios colegas que está em sofrimento psicológico, atrasando a procura de ajuda e a melhoria dos seus sintomas", revelou Maria João Heitor, presidente APPSM.

Analiza Silva, coordenadora do programa Champ4life da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa, revelou que um grupo de 94 ex-atletas submetido a um estudo - 12 sessões educacionais sobre tópicos que incluíram a dieta e os comportamentos alimentares, atividade física e comportamento sedentário - melhorou diversos parâmetros ligados à saúde mental e à qualidade de vida, nomeadamente a capacidade funcional em 16%, a saúde geral em 38% e a vitalidade em 53%.

O que fazer com estes resultados, é agora a questão.

isaura.almeida@dn.pt

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