A verdadeira música do mundo

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Estão há muito esgotados os 150 bilhetes para o concerto único de Etienne Ndong e Pierre Soula Solisto. Este seria um pormenor sem importância, não se desse o caso de estes dois músicos senegaleses serem absolutamente desconhecidos. Nunca editaram nenhum disco, nunca saíram do seu país para actuar (nem mesmo para passear, julgamos) nem estão habituados a dar concertos. A ocasião é, portanto, especial e deve-se, sobretudo, à iniciativa de Miguel Lobo Antunes.

"Quando recebi o catálogo da exposição 'O Universal? Diálogos com Senghor' vinha também um disco e quando o ouvi achei muito engraçadas algumas das músicas, nomeadamente as de Pierre Soula Solisto e de Etienne Ndong. Pensei então que seria interessante trazê-los cá, fazendo a relação com a exposição", explica o director da Culturgest. O disco intitulado L'Universal? é da responsabilidade da Association Face à Face, que organizou também a exposição, e revela em 14 faixas algumas das vozes da música tradicional serere, a etnia a que pertencia Leopold Senghor. E é, na verdade, uma revelação - a principal diferença entre estes músicos tradicionais e algumas das estrelas da chamada "música do mundo" passa pela inexistência de uma editora, que ofereça condições de produção e promoção adequada. Mas com a vantagem de ainda manterem a sua autenticidade.

"Queria dar uma visão da música do Senegal, diferente do mainstream a que pertence, por exemplo, Youssou N'Dour, que faz uma música mais urbana", explica Lobo Antunes. Contratar Etienne Ndong e Pierre Soula Solisto foi uma aventura. Eles não tinham agente, nem fotografias ou currículo para enviar e pediram um cachet ridiculamente baixo, muito longe dos preços do mercado. Os contactos foram feitos através do responsável pelas relações externas da cidade de Joal-Fadiouth (a cidade de Senghor), que também os tem ajudado a preparar o espectáculo. "O que é que vai sair? Não faço a mínima ideia", avisa Miguel Lobo Antunes. "É uma aposta baseada unicamente no facto de eu ter gostado das músicas."

Sons do Senegal. República independente desde 1960, o Senegal, na costa ocidental de África, teve como primeiro presidente Leopold Sédar Senghor (1906- -2001), pensador, poeta e político que liderou o movimento para a independência. "A música está muito presente na vida do Senegal, os vários rituais são acompanhados por música", explica Miguel Lobo Antunes. "Concretamente nesta etnia, serere, há muito o hábito de tocar em família e em grupo." Segundo se explica no programa do espectáculo, a vida musical do país é particularmente rica e aberta a outras culturas. Em Dacar predominam a variedade anglo-saxónica, os ritmos de Cabo Verde e das Caraíbas, o rap e, sobretudo, o mbalax, música com um ritmo muito marcado e que foi popularizada e exportada por Youssou N'Dour, a grande figura da música popular do país. À margem desta urbanidade, sobrevivem as culturas populares regionais, como é o caso da música serere, ligada aos tempos fortes da vida comunitária.

Os músicos. Sobre os artistas desta noite, pouco se sabe. Pierre Soula Solisto nasceu em 1966 e estudou no Conservatório Nacional de Música e Artes Dramáticas em Dacar. Actualmente é professor no seminário de Ngazboil, na região serere. Trabalha com formações de canto coral, anima ateliers de percussão com grandes nomes da música mbalax, como Aziz Seck ou Thio Mbaye, e já participou em vários festivais no seu país. O percurso de Etienne Ndong é ainda mais curioso. Nasceu em 1956, filho de Binta Marie, que era uma das grandes intérpretes da tradição serere de Joal. Aprendeu percussão e guitarra, como autodidacta, e no seu repertório junta a música serere com influências de outras etnias.

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