A verdade ajudará a fazer o luto
Um profundo pesar pelas 64 vítimas dos incêndios, uma profunda gratidão por quem tem feito tudo para combater os incêndios - foi este o tom de cada uma das bancadas parlamentares que, esta quarta-feira à tarde, evocaram no Parlamento a "memória das vítimas, a solidariedade com os seus familiares, e o agradecimento a todos os que, no terreno, combatem o flagelo dos incêndios", numa sessão a que se juntou o Governo, nomeadamente com o primeiro-ministro, António Costa.
Ao luto, soma-se agora a vontade assumida por todos - do presidente da Assembleia da República ao deputado único do PAN, passando pelos oradores do PEV, PCP, CDS, BE, PS e PSD - em perceber o que se passou e o que provocou a tragédia de Pedrógão Grande e concelhos vizinhos.
O presidente do Parlamento, Ferro Rodrigues, defendeu que "há aspetos a apurar no imediato e no quadro de uma avaliação global dos procedimentos seguidos neste caso", porque "o país exige respostas claras a dúvidas legítimas". "A Assembleia da República será sempre, por direito próprio, o palco certo para todos os debates e para todas as iniciativas".
Nas palavras da presidente do CDS, Assunção Cristas, "chegará o tempo das perguntas e das respostas, das responsabilidades técnicas, dos esclarecimentos e do apuramento das razões". Afinal, sinalizou Assunção Cristas, "o luto também se ajudará a fazer com essa verdade", uma "verdade que nos merecem todos os que partiram, todas as famílias e amigos, todos os portugueses".
Na mesma linha, a coordenadora do BE, Catarina Martins, apontou, referindo-se às vítimas e a quem está na linha da frente de combate aos fogos, que "devemos-lhes tudo: solidariedade, gratidão, respeito". E o país também deve "respostas porque devemos respeito" às vítimas, depois de ter qualificado a catástrofe vivida como "insuportável" e questionando-se sobre "o que falhou".
Também André Silva, do PAN - que lembrou "também os milhares de animais e património natural que desapareceram nesta catástrofe" - apontou "o preço a pagar pelo desequilíbrio e pela manipulação da natureza", mas num "momento de unidade" em que é necessário "proteger e cuidar quem sofreu perdas" e "de quem continua no terreno", o deputado lançou o desafio: "Façamos realmente para que algo aconteça."
A deputada dos Verdes, Heloísa Apolónia, notou que "esta tragédia impõe-nos mais do que perceber a trovoada seca que as autoridades garantem ter espoletado o incêndio florestal, impõe-nos mesmo mais do que perceber se algo falhou ao nível da comunicação, da coordenação ou da agilidade de decisão, impõe-nos mais do que as imensas reflexões que já foram produzidas ao longo dos anos e impõe-nos mais do que a produção de novos relatórios a acrescentar aos já muitos produzidos". "A verdade é que se impõe ao país coragem política", apontou Heloísa Apolónia.
O secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, notou que a catástrofe "impõe cabal resposta às vítimas". "Não precisamos de mais comissões ou relatórios", disse, o que se deve é questionar "as medidas que nunca saíram do papel", ou práticas que foram "em sentido contrário", como a "desagregação de serviços públicos" e "de inação perante os interesses económicos". O líder comunista afirmou o "empenhamento para que se avance decididamente" e expressou o desejo de que, "quando se apagarem os holofotes mediáticos, não permitamos que se volte a cair no esquecimento".
Já o PS defendeu que "sem competições partidárias que de não devem ter lugar e em que, a este propósito, jamais participaremos", como sublinhou o líder parlamentar, Carlos César, ao Parlamento "incumbirá não só a procura daquelas explicações como um acompanhamento atento e exaustivo das tarefas em curso de restabelecimento da normalidade, tomando as deliberações e emitindo as recomendações que entender pertinentes". "É fundamental romper com este ciclo de incapacidade", apontou.
Por fim, Matos Correia, deputado do PSD e vice-presidente do Parlamento, notou que "o valor da confiança tem sofrido uma progressiva e muito preocupante erosão" nas sociedades modernas. "A incerteza tem vindo a apoderar-se da vida de cada um nós" e, no último domingo, "64 pessoas confiaram" nas instituições. "O país no entanto não esteve à altura dessa confiança", assumiu. "A diferença entre passado e presente exige um levantamento exaustivo sobre aquilo que se terá passado", defendeu, ao recordar que nunca tantos civis morreram em incêndios. É esta a melhor maneira de garantir que esta tragédia "não mais se repetirá", sendo "o melhor modo de honrar a memória daqueles compatriotas que pagaram o último dos preços, porque confiaram".
No final, foi lido e votado por unanimidade um texto de pesar e cumprido um minuto de silêncio.