Literatura. Digressão americana de Lobo Antunes termina hoje em Washington.Em Boston, António Lobo Antunes foi finalmente obrigado a render-se ao entrevistador e a ter de responder às suas perguntas como até então não tinha sido obrigado nas três sessões públicas anteriores em Nova Iorque, cidades onde se encontra a promover o seu livro Que Fazer quando tudo Arde? A razão foi simples, é que o homem que estava ao seu lado no pequeno palco do tradicional Ateneu era um tradutor e, como diz o escritor, estas duas profissões têm muito de parecido. Mas a situação não era assim tão fácil de resolver, porque se Gregory Rabassa tinha colocado Lobo Antunes em posição de fuga impossível no xadrez das palavras, este ainda tinha uma forma de movimentar o seu rei para fugir do xeque-mate àquilo que considera uma devassa da sua vida literária e respondeu que "escrever não é difícil, é impossível" e repetiu a mesma frase para Rabassa mudando apenas a palavra escrever para "traduzir"..Foi um duelo entre dois profissionais que sabem dominar as palavras e presenciado por mais de uma centena de pessoas que foram acompanhando o entrevistado e o entrevistador ao longo de uma hora, acostumadas a debates e à presença de autores famosos nesta cidade norte-americana, que tem 250 mil estudantes universitários, Harvard e mais 24 das melhores universidades do país, o MIT e melhor que se possa listar no ensino..Mesmo experiente, a audiência deixou-se apanhar pelo estilo Lobo Antunes em palco e sorriu frequentes vezes com as suas explicações ao entrevistador que ia metendo umas piadas inesperadas entre a conversa séria do escritor e que as viu retribuídas com outras histórias que interrompiam o fluxo de assuntos sérios: a guerra colonial portuguesa, a relação com o pai e o exercício da psiquiatria. .Mas foi o papel do tradutor que dominou o diálogo e que serviu para António Lobo Antunes agradecer a Gregory Rabassa o empenho na tradução dos seus livros para inglês. Considerou também que se o trabalho do tradutor é bom "então o original e a tradução têm a mesma voz" o que no caso do português "é difícil porque é uma língua muito musical e difícil de passar a outra". Foi tão intenso esse debate que uma leitora pediu-lhe para ler um parágrafo em inglês e para o reler em português para poder entender a diferença. .Pelo seu lado, o tradutor falou da falta de coragem das editoras para traduzir literalmente para o inglês o título do livro Os Cus de Judas e de como ficou espantado por esse romance ter existido após "tantos anos de uma ditadura em Portugal". Lobo Antunes esclareceu que o livro era para ser sobre "uma relação entre duas pessoas e como o casamento pode também ser uma verdadeira guerra". .E, no final, quando os leitores tiveram o seu momento para interrogar o escritor português houve outro momento de frisson quando, ingenuamente, uma ouvinte questionou se Lobo Antunes gostava de ler José Saramago. Como o autor já por várias vezes mostrara que tinha dificuldade em ouvir as perguntas vindas do fundo do auditório ninguém achou que o pedido de repetição da questão por três vezes tenha sido intencional...|