A vaiar Marcelo Caetano em Londres e a reunir-se com Cunhal em Paris

Ainda na ressaca do Maio de 68, quando Mário Soares tentou iniciar uma carreira em Vincennes, os estudantes esquerdistas nem sequer o deixavam falar, pois, como contou a Dominique Pouchin (Memória Viva), a PIDE difundira panfletos afirmando que ele era "um social-democrata nojento, um traidor e um amigo de [Marcelo] Caetano" - e os alunos, até serem confrontados com as suas passagens pelas celas salazaristas, rotulavam-no como "porco fascista" (idem). Depois, lecionou também na Sorbonne e em Rennes, advogou, escreveu em revistas e fundou, com outros exilados, uma livraria em Paris - até seria iniciado na Grande Loja de França, acabando por esquecer a Maçonaria ao regressar a Portugal.
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Mas aproveitou sobretudo o tempo em que morava num modesto apartamento do Boulevard Garibaldi - "já vi uma vez uma fotografia de um prédio imponente, que não sei se era o Palácio de Versalhes, que me mostraram e me disseram: "olhe, dizem que você vive aqui"" (O Futuro Será o Socialismo Democrático) - para estabelecer uma rede de cumplicidades com universitários e jornalistas, os grandes da Internacional Socialista, "elementos-chave dos aparelhos partidários" e "altos funcionários governamentais", exilados políticos sul-americanos e nacionalistas africanos, os escritores Jorge Amado e García Márquez, Carlos Fuentes e Vargas Llosa - e, obviamente, para promover campanhas internacionais contra a ditadura e a guerra colonial .

O momento mais importante foi, sem dúvida, o aproveitamento da visita de Marcelo a Londres, de 16 a 18 de julho de 1973, para as comemorações do 6.º centenário do Tratado de Tagilde (primeiro fundamento jurídico do futuro tratado de aliança Luso-Britânica, que ainda hoje perdura). Dias antes, a 10 de julho, o Times denunciava o massacre de Wiriyamu, em Moçambique, pelas Forças Armadas portuguesas e relatado pelo padre católico Adrian Hastings.

O futuro dissidente socialista Rui Mateus, já após a rutura com Soares na década de 80, registou a sua versão em Contos Proibidos: "Os dirigentes trabalhistas boicotariam todas as cerimónias, tendo Harold Wilson recebido uma delegação do PS, chefiada por Mário Soares, o que provocaria grande histeria no seio do governo português. Este participaria ainda numa importante sessão solene organizada pelo padre Adrian Hastings em Chattham House, com a presença da fina flor da esquerda britânica. Pela primeira vez, aparecia o nome de Mário Soares na imprensa britânica e em toda a imprensa mundial, enquanto Marcello Caetano era apresentado, com desdém e sem subterfúgios, como um ditador."

No Brasil, onde morreria em 1980, o ditador contava a Joaquim Veríssimo Serrão: "O fiasco foi das manifestações de uma escória de trabalhistas e homossexuais, reunida por Mário Soares e comandada por um conhecido agitador paquistanês que a polícia prendeu em flagrante, como toda a imprensa londrina noticiou, revelando que a hostilidade não era portuguesa." (Confidências do Exílio).

Veríssimo Serrão questionaria Marcelo sobre a tese do socialista, nas primeiras filas da manifestação em Londres, ter então calcado a bandeira portuguesa. "Foi-me dito que se passou, mas não vi." (ibidem). Soares consideraria a acusação uma "imbecilidade". "Um patriota e um republicano, como eu sou e sempre fui, nunca iria pisar a bandeira da República, que nunca foi a bandeira do salazarismo" (Revolução e Ditadura).

Nos anos em França, assistiu ao congresso do PSF em que Miterrand assumiu a liderança e impôs o símbolo da rosa e acompanhou os debates ideológicos que então se travavam entre socialistas europeus, encontrou-se com o italiano Pietro Neni ou o sueco Olof Palme, conviveu com os exilados grego Papandreou ou o espanhol Tierno Galván, até esteve no Chile com Allende. E Cunhal? "Encontrei-o duas ou três vezes em Paris, mas sempre nos recantos mais estranhos e depois de ter tomado as medidas conspirativas mais extraordinárias, como se estivéssemos em Lisboa, fugidos à PIDE." (A Esperança É Necessária).

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