Iam duas vacas a passear num prado e diz uma para a outra: muuu. A outra responde-lhe, oh pá, ia agora dizer a mesma coisa! Tem piada, não tem? Pois. Já cá volto..Um dos sentimentos mais fortes que se pode ter em relação a outra pessoa não é o amor, nem o ódio, nem a paixão, nem o desejo, nem a raiva, nem sequer a indiferença. É um sentimento que não sei como é que se chama, que é passageiro, mas que vou tentar explicar, explicar por palavras, como se costuma dizer. É, em relação a uma pessoa concreta, num determinado momento, não encontrar nada que permita reconhecê-la como semelhante. Dito ao contrário, são aquelas pessoas que, por uma coisa grave ou não, o nosso cérebro põe à distância, repele para trás de barreiras tão fortes que as desumanizam por momentos. Acontece-me isso com parvalhões, mulheres enjoadas e ainda numa outra situação, mais grave, que ainda não decidi se vou ou não contar. Como dizem os maus escritores, e aqui é igual, vamos escrevendo o texto e a certa altura já não somos nós que o escrevemos, é ele que se escreve, a personagem que ganha vida, a história que inventa o seu fim..Exemplo 1: num grupo, alguém começa a contar uma anedota, e outro alguém, quase sempre um homem, termina em voz alta a anedota antes de o contador chegar ao fim. Este outro alguém é, naturalmente, um parvalhão, mas é um tipo de parvalhão que provoca um sentimento de misantropia aplicada pela incompreensão sobre o seu agir. Exemplo 2: mulheres enjoadas, não enjoadas no sentido quimoterápico, toxicológico ou gestacional. Enjoadas porque sim, com voz e atitude enjoadas..Claro que é sempre um dilema quando alguém está a contar uma anedota que já conhecemos, se devemos avisar ou esperar pelo fim, e no fim se devemos rir e dizer que já sabíamos, ou só rir, mas nunca se conta o fim, sobretudo havendo outros ouvintes. Nunca. E custa ver parvalhões, custa ver as mulheres e os filhos dos parvalhões, custa pensar nas pessoas que têm de aturar os parvalhões que acabam as anedotas nos empregos (aliás, custa perceber o sucesso dos parvalhões, mas algumas mulheres têm alguma inclinação para parvalhões). No outro lado do espectro há a atração que muitos homens têm por mulheres enjoadas. A mulher enjoada, tal como a mulher com frio, é algo que só há em Portugal, por isso o universo comparativo é reduzido. Aliás, a mulher enjoada fica enregelada mais depressa e mais vezes e com mais força do que a mulher normal, e vice-versa. No caso do parvalhão, percebo o que atrai, em tese, uma mostra de rapidez no pensamento, um traço alfa que por vezes convence mais as parceiras do que repele a falta de inteligência emocional que demonstra quem, no meio de um jantar, acabe uma anedota. Já quanto a mulheres enjoadas, não consigo perceber o interesse de uma perspetiva de teoria evolutiva, mas deve ser falta de estudo..Mas voltando às piadas, outra coisa curiosa é que nem todos se podem dar ao luxo de uma piada, de uma blague. Quando falou da vaca que ria, Cavaco foi a piada; quando falou da vaca que voa, Costa teve piada. Mais vale cair em graça do que ser engraçado, já se sabe. É como as anedotas, depende de como se contam e de quem as conta. Dois Natais, dois tios, a mesma piada, resultados opostos. Uma anedota que ouvi em tempos: um homem entrava num bar e ouvia as pessoas a dizer números, 40, por exemplo, e todos se riam, 121, e todos se riam ainda mais, 12, riam-se pouco. Perguntou ao barman o que era, que lhe explicou que naquela terra muito pequena já todos conheciam as anedotas uns dos outros, e que tinham feito uma lista de anedotas e que assim era mais simples, bastava dizer o número. O forasteiro, uns copos depois, disse 121, a anedota que tinha arrancado mais gargalhadas. Ninguém se riu. O barman disse-lhe, compreensivo, que é preciso saber contá-las..Isto vinha a propósito do tal mau sentimento, o sentimento sem nome, que se sente quando não se sente o outro como igual, e a explicação não está a ajudar. E foi com o humor que me apercebi dele, que há cabeças tão diferentes da minha, um fosso. Foi, é, a propósito do Calvin and Hobbes e dos Malucos do Riso, de quem percebe aquelas piadas, de quem se ri de qualquer um deles, normalmente grupos diferentes de pessoas. (Acabei de googlar "best calvin hobbes strips", estive a ler as 25 melhores, segundo a internet. Confirmei. Não percebo onde possa estar a piada.) E isto é mais sério do que os parvalhões que acabam anedotas, ou princesas enjoadas, porque é uma parcela maior de pessoas, mas sobretudo porque é uma parte do mundo, das pessoas, que escapa. Esta conversa toda surgiu a propósito do texto "How Air Jordan Became Crying Jordan", publicado na The New Yorker no dia 11, um artigo muito bom à volta da meme crying jordan, e de como o Michael Jordan para os miúdos de hoje já não é o Michael Jordan dos miúdos de ontem, não o viram jogar, não percebem o que significou (como o Eusébio para quem tem menos de quarenta e cinco anos). As memes (imagens tipificadas com um significado subentendido e uma frase variável) representam um tipo de humor difícil de entrar, mas indispensável para perceber muitos outros. Ah, e há memes com vacas a voar, e vacas a rir.