"A única explicação para estes golpes em São Tomé são as eleições"
Em menos de dois meses, São Tomé e Príncipe já teve duas alegadas tentativas de golpe de Estado com presumíveis atentados contra os órgãos de soberania, ambas com a suposta participação de figuras da oposição ao primeiro-ministro, Patrice Trovoada. Nesta última "ação terrorista" (assim a qualifica o governo são-tomense), desmantelada no sábado à noite, terão estado envolvidos dois são-tomenses, sendo um deles o ex-ministro da Juventude e do Desporto do governo de Gabriel Costa (2012 a 2014), Albertino Francisco.
As imagens da TVS, televisão são-tomense, mostram o arsenal de guerra apreendido ao grupo de cinco suspeitos (entre eles três mercenários espanhóis) e a detenção dos elementos no sábado à noite.
"A única explicação para esta instabilidade política são as eleições gerais a 7 de outubro", explica o investigador Gustavo Plácido dos Santos, do Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), especialista em países de língua oficial portuguesa (PALOP).
O jornalista são-tomense Abel Veiga, diretor do jornal online Téla Nón e jornalista da RTP África, acrescenta que o ex-ministro Albertino Francisco é uma das figuras da oposição a Patrice Trovoada na diáspora. "Ele afastou-se do PCD [Partido de Convergência Democrática], viajou, esteve fora do país, passou muito tempo em Portugal e estaria agora ligado, mas na diáspora, a um outro partido de oposição, o PPP [Partido Popular do Progresso]".
A diáspora são-tomense tem sido constantemente impedida de votar nas eleições do país. Uma proposta de lei de 2016 que abria o caminho para uma mudança, no sentido de permitir o voto dos naturais que estão fora do país, ficou na gaveta neste ano, por decisão da maioria parlamentar do partido Ação Democrática Independente (ADI), de Patrice Trovoada.
"O Adi tem 33 deputados num total de 55. É a maioria absoluta. Ao contrário dos outros partidos, tem acesso aos recursos do Estado", comenta Gustavo Plácido dos Santos.
O investigador do IPRIS acrescenta ainda que "com a detenção do opositor e ex-ministro Albertino Francisco, agora constituído arguido por alegada envolvência no golpe, há a garantia de que este ficará mais calmo, não poderá falar tanto". À semelhança, lembrou, do que aconteceu com os dois suspeitos da intentona de junho, o ex-ministro da Agricultura, deputado e dirigente do maior partido da oposição, o MLSTP/PSD, Gaudêncio Costa, e o sargento das Forças Armadas, Ajax Managem, que estão em liberdade mas com termo de identidade e residência (medida de coação automática à constituição de arguido).
Grande "insegurança e fragilidade"
"Estas duas tentativas de golpe de Estado que aconteceram em menos de dois meses demonstram que o país vive uma grande insegurança, numa enorme fragilidade. Temos uma fronteira marítima desguarnecida, sem forças armadas. Damos graças a Deus por as autoridades são-tomenses terem dado conta desta última ação, mas foi com a ajuda da Interpol e de países amigos", sublinha o jornalista Abel Veiga, destacando a "entrada de três mercenários espanhóis no país".
O investigador Gustavo Plácido dos Santos refere que "a atividade ilícita mais lucrativa de São Tomé, o tráfico de cocaína, pode também ter uma ligação com estas intentonas". A colocação de arsenais de guerra - como o que foi agora apreendido pela polícia - no país africano "é muito fácil", garante. "Basta passar pelo porto de São Tomé para perceber que não tem controlo nenhum. E como os trabalhadores das alfândegas recebem 50 euros por mês, são facilmente corrompíveis."
Os cinco detidos nesta intentona - três mercenários espanhóis e os dois são-tomenses - iriam ontem ser ouvidos pelo juiz de instrução criminal. Alguns juízes manifestaram-se impedidos de julgar o caso. "O clima tem sido de confronto entre o poder judicial e o governo, como se viu na destituição de juízes-conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça", sublinha o investigador do IPRIS.
Além do ex-ministro Albertino Francisco, o outro são-tomense suspeito é um antigo membro do extinto Batalhão Búfalo sul-africano, formado por mercenários e que no regime do apartheid lutou em Angola ao lado das forças armadas invasoras sul-africanas contra as tropas governamentais angolanas. Pretendiam, alegadamente, sequestrar o presidente da República, o presidente da Assembleia Nacional e matar Patrice Trovoada.
"Porto de abrigo" para criminosos e terroristas
O principal partido da oposição são-tomense, o Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe - Partido Social Democrata (MLSTP-PSD), acusou na quarta-feira o governo de Patrice Trovoada de pretender transformar o país "num porto de abrigo a malfeitores e organizações criminosas e terroristas" com um novo regime jurídico que isenta cidadãos estrangeiros de vistos de entrada. "O país não dispõe de uma polícia de migração de fronteiras capaz de controlar, de forma eficaz, a permanência de todos os que vão estar nessas condições e São Tomé e Príncipe poderá transformar-se num porto de abrigo a malfeitores e terroristas, pondo em causa a segurança nacional, até dos países vizinhos", disse a dirigente do partido, Elsa Pinto, em declarações a jornalistas. O novo diploma permite a cidadãos estrangeiros, sem especificar a nacionalidade, entrar e permanecer no território nacional por um período de seis meses, mas a vice-presidente dos sociais-democratas chamou "a atenção de todos os são-tomenses para o perigo iminente que ameaça" a democracia do país.
Governo português está a dar apoio
O Ministério dos Negócios Estrangeiros esclareceu que "o governo português e o governo de São Tomé e Príncipe estão em contacto, à luz das relações bilaterais muito próximas entre os dois países e dos acordos de cooperação que delas decorrem. O objetivo é prestar ajuda técnica solicitada pelas autoridades são-tomenses, para o esclarecimento dos acontecimentos recentemente ocorridos naquele país".