A União Europeia no Expresso do Oriente
Uma das políticas mais bem sucedidas da União Europeia tem sido o alargamento. A adesão de países ao núcleo de seis Estados que assinaram o Tratado de Roma em 1957 tem ocorrido de forma contínua, chegando hoje a 25 países.
Estes alargamentos têm servido três propósitos fundamentais: a manutenção da paz dentro das fronteiras da Comunidade Europeia, num continente tradicionalmente fracturado e conflituoso; a consolidação de estruturas liberais democráticas e representativas em países que tinham pouca ou nenhuma tradição nesse domínio; e o estabelecimento de um gigante económico com poder de concorrência com os Estados Unidos e a China.
Nenhum alargamento até hoje colocou em causa estes três princípios justificadores da razão de ser da União Europeia, pelo contrário.
Pode-se afirmar, no entanto, que a política do alargamento está a ser vítima do seu próprio sucesso.
De tanto alargar, neste momento a UE faz fronteira com quatro grandes países: a Rússia, a Bielorrússia, a Ucrânia e a Turquia. Todos são países que abrangem territórios muito extensos, relativamente pobres e etnicamente fragmentados.
Entre estes, a Turquia sobressai ainda por ser um Estado secular com uma maioria de cidadãos muçulmanos. Mas é precisamente a Turquia que por razões históricas, políticas e geostratégicas tem tentado de forma sistemática e persistente aderir à UE. Em Outubro de 2005 foram abertas as negociações com este país.
Muitos se queixam da inoperância da UE face a crises que irrompem na cena internacional. A UE, de facto, não tem querido nem sabe responder em tempo útil a crises, ao contrário por exemplo de países que a integram e dos Estados Unidos.
Mas a política do alargamento da UE funciona de facto como a sua política externa. É certo que é uma política de curto alcance: os únicos visados são os vizinhos. Além disso, é de lenta implementação: os dossiers a digerir pelos candidatos são cada vez maiores e a negociação dura cerca de dez anos.
Mas quando a UE aceita um novo Estado membro está em larga medida a garantir a paz, a democracia e a solidez económica desse país a longo prazo. Convenhamos que é muito mais do que muitos Estados conseguem noutros continentes apesar do seu activismo no curto prazo.
É por isso que a abertura das negociações com a Turquia é um acontecimento tão importante.
A acontecer a adesão daquele país, a UE pode fazer mais pelo relacionamento entre muçulmanos e não muçulmanos, Norte-Sul, Europa e Ásia, do que muitos têm feito desde o 11 de Setembro.
Politicamente, no entanto, a situação tem- -se deteriorado recentemente. Na semana passada, o Parlamento francês aprovou uma lei que criminaliza a negação do genocídio turco contra os arménios na Primeira Guerra Mundial. Na Turquia, juízes contra a adesão abrem processos contra escritores por difamarem a identidade turca, embaraçando os líderes políticos daquele país e mostrando o caminho que falta percorrer em termos de direitos e garantias dos cidadãos. Do lado europeu, o fantasma da necessidade de realizar referendos nacionais sobre a adesão da Turquia, já anunciado pela França e Áustria, ensombra todo o processo.
Se tivesse havido um referendo nacional sobre o Tratado de Roma, em 1957 quantos franceses, belgas, holandeses se teriam pronunciado favoravelmente a assinar um pacto com os alemães, com a II Guerra Mundial terminada havia apenas 12 anos? Desde então, a opinião pública e os referendos entraram no léxico dos burocratas em Bruxelas e dos decisores políticos à hora de pensar a política europeia. E ainda bem. A CEE não tinha o alcance que a UE tem hoje. Por isso, e tendo em conta que os governos recusam uma democraticidade mais formal das instituições europeias, porque isso porventura colocaria a sua própria legitimidade em causa, será necessário legitimar as decisões tomadas por estas instituições comunitárias a posteriori, através de referendos nacionais. Paradoxalmente, a entrada da Turquia na UE pode até contribuir para a própria democratização da UE. Se as elites europeias se cansarem de apresentar propostas por referendo que o povo rejeita, talvez enveredem pela via da democratização formal das instituições europeias, assim recuperando margem de manobra política para governar sem ter de recorrer ao referendo.