A União Europeia e a crise dos três M. May, Macron e Merkel

Já lhe chamam a crise dos três M. May, Macron e Merkel, líderes das três grandes potências da UE, estão em apuros. E dos grandes. Numa altura em que, a poucos meses das eleições para o Parlamento Europeu, florescem populismos e nacionalismos de toda a espécie, pela Europa e não só, a primeira-ministra do Reino Unido, o presidente de França e a chanceler da Alemanha enfrentam crises internas que enfraquecem a sua liderança e, por arrastamento, o processo de integração da UE.
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A primeira tem entre mãos o dossiê do Brexit, que já por várias vezes esteve para levar à sua demissão. E ainda pode levar. O segundo chegou ao poder com intenções de reformas centristas e esbarrou numa sociedade civil implacável que obrigou a recuar, recuar e recuar. E a terceira, que durante a crise da Constituição Europeia e da zona euro foi a líder de ferro que manteve unidos os europeus, perdeu os alemães ao deixar entrar de forma desordenada mais de um milhão de refugiados no país.

Theresa May: a mulher que recebeu o presente envenenado do Brexit

Theresa May saiu do Conselho Europeu desta passada semana de mãos a abanar no que toca a novas concessões dos parceiros europeus sobre o acordo do Brexit, nomeadamente no que toca ao backstop (mecanismo de salvaguarda que pode ser usado para impedir o regresso de uma fronteira física entre a Irlanda do Norte e a República da Irlanda com a saída do Reino Unido da União Europeia).

Visivelmente exausta, a primeira-ministra britânica saiu de Bruxelas a afirmar uma coisa e o seu contrário. "Sei que se disse que não haverá mais clarificações. Mas as minhas discussões com os líderes europeus mostram que clarificações além das conclusões do Conselho [Europeu] são, de facto, possíveis", disse May, aos jornalistas, prometendo regressar a Bruxelas nas "próximas semanas".

A chefe do governo britânico enfrenta uma furiosa oposição interna ao acordo e não se sabe até quando vai aguentar-se no poder. No próprio executivo, que aprovou o acordo do Brexit, houve demissões de ministros. Só o ministro do Brexit já é o terceiro. Depois, os deputados britânicos, incluindo os rebeldes do Partido Conservador, estão contra o acordo por causa da questão do backstop. Ameaçam chumbá-lo no Parlamento.

Foi por isso que May, de 62 anos, adiou a votação do acordo. Na quarta-feira sobreviveu a uma moção de censura no Partido Conservador, mas a margem não a deixou festejar por muito tempo e aqueles que pediam a sua demissão continuam a fazê-lo: 200 deputados votaram a favor de May, 117 votaram contra.

O líder do Labour, Jeremy Corbyn, desafiou May a submeter o acordo do Brexit à votação nesta semana. Mas ela nada disse quanto a isso. Downing Street apenas tinha feito saber, através de uma porta-voz, que o voto acontecerá antes de 21 de janeiro. O Brexit está previsto para 29 de março.
May recebeu o presente envenenado do Brexit de David Cameron, o primeiro-ministro que conseguiu uma maioria absoluta à conta da promessa do referendo sobre a saída da UE. A 23 de junho de 2016, 52% votou pelo Brexit. E Cameron demitiu-se.

Em abril de 2017, sentindo a necessidade de se legitimar nas urnas, May optou por eleições antecipadas. As sondagens colocavam o Partido Conservador em vantagem face ao Labour, liderado por Jeremy Corbyn. Mas as contas saíram furadas e a vantagem reduziu consideravelmente, resultando as eleições num hung parliament: May perdeu a maioria que o partido tinha.

Emmanuel Macron: um reformista face à revolta das ruas

Emmanuel Macron chegou com tudo e, passado ano e meio, está mais fragilizado do que nunca. A revolta dos chamados coletes amarelos atingiu proporções inesperadas: seis mortos, 260 feridos, 400 detidos. O chefe do Estado francês, conhecido reformista, tecnocrata, centrista, habituado a enfrentar greves por causa da privatização dos transportes públicos, que desmantelou um código do trabalho arcaico e reformou leis como a do ensino superior e da migração, esbarrou nesta revolta e teve de desistir do aumento dos combustíveis.

De um intransigente "não podemos tolerar qualquer violência", passou a um "França precisa retomar o funcionamento normal". Entretanto prometeu aumentar o salário mínimo nacional em 100 euros e outras medidas, mas os coletes amarelos não ficaram muito convencidos e alguns consideraram tratar-se de meras migalhas. Pelo meio o terrorismo regressou a território francês com um ataque num mercado de Natal de Estrasburgo a fazer quatro mortos.

A bem da verdade, em França a rua nunca foi piedosa com o poder: basta pensar no Maio de 1968, na crise do contrato de primeiro emprego ou até na revolta dos subúrbios parisienses, classificados por Nicolas Sarkozy como racaille, ou seja, escumalha.

As medidas adicionais anunciadas por Macron custarão cerca de 10 mil milhões de euros e aumentarão o défice para 3,4% do PIB em 2019, em vez dos 2,8% previstos, ou seja, a França violará as regras do défice. O governo de Itália, atento, já argumentou, uma vez que o seu Orçamento foi rejeitado pela UE, de forma histórica, precisamente aumentar a despesa.

Ex-ministro da Economia de François Hollande, Emmanuel Macron tornou-se, em 2017, o mais jovem presidente de sempre a ser eleito em França. Hoje com 40 anos, faz 41 dia 21, Macron fundou o En Marche!, movimento pelo qual foi eleito e originou o La République em Marche!

Com uma taxa de aprovação de 20% e três franceses em quatro a terem má opinião sobre a sua prestação, Macron viu agora o seu partido ser ultrapassado nas intenções de voto para as eleições europeias pelo de Marine Le Pen (a candidata que ele bateu na segunda volta das presidenciais de 2017). Uma sondagem Ifop, realizada junto de 938 pessoas nos dias 7 e 8 e publicada na quarta-feira pelo jornal L'Opinion, deu 24% das intenções de voto ao Rassemblement National (ex-Frente Nacional) de Marine Le Pen e 18% ao La République en Marche!.

Angela Merkel: a líder que ficou sozinha a defender os refugiados

Angela Merkel é, aos 63 anos, a líder há mais tempo no poder na União Europeia. Eleita pela primeira vez em 2005, a chanceler alemã já vai no quarto mandato. Três dos seus governos (incluindo o que está no poder) foram grandes coligações CDU/CSU e SPD e um foi coligação com o FDP.

Merkel foi líder da CDU entre 2000 e 2018. Foi substituída na liderança dos democratas-cristãos no dia 7 por Annegret Kramp-Karrenbauer, depois de anunciar que não seria mais ela a candidata do partido nas eleições de 2021.

No poder durante tanto tempo, Merkel já teve oportunidade de testemunhar todas as crises, do chumbo da Constituição Europeia, em França e na Holanda, ao do Tratado de Lisboa, na Irlanda, passando pela crise financeira e a ameaça da saída da Grécia da zona euro, até à confusão dos migrantes e refugiados e o caos da saída do Reino Unido da União Europeia (Brexit).

Tal como May e Macron, Merkel começou a perder força quando começou a ser posta em causa internamente na Alemanha, inclusivamente por alguns dos seus aliados mais próximos. O partido Alternativa para a Alemanha, criado como formação eurocética que queria um referendo ao euro e era contra o resgate de países como Grécia e Portugal, viu na crise dos refugiados a oportunidade ideal de ganhar votos, explorando o medo e os sentimentos nacionalistas e xenófobos. E conseguiu.

Nas legislativas de 2017, a AfD foi o terceiro partido mais votado e a extrema-direita voltou a sentar-se no Bundestag. Está também já representado em todos os 16 parlamentos dos estados alemães. Muitos alemães, fartos da CDU e SPD e revoltados com a política de portas abertas de Merkel em 2015, que permitiu a entrada de mais de um milhão de refugiados no país, voltaram-se para a AfD.

O próprio ministro do Interior e líder da CSU, congénere bávara da CDU, Horst Seehofer, chegou a ameaçar a chanceler com a sua demissão se ela não obrigasse os outros países europeus a repartirem os refugiados - sobretudo os oriundos da Síria. CDU (e SPD) começaram a cair nas intenções de voto e os radicais a subir.

A nível externo, a Alemanha de Merkel opta em regra pela abstenção quando o tema é guerra, como aconteceu por exemplo no caso da Líbia. Em relação à Rússia, o tom é normalmente mais neutro do que o dos restantes dirigentes europeus. Exemplo disso foi o do caso do envenenamento do ex-espião Sergei Skripal: enquanto uns expulsavam diplomatas russos, a Alemanha aprovava o gasoduto Nordsetram 2 com a Rússia.

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