A uma hora incerta
Num tempo de sombras
INÊS LOURENÇO (3/5)
Carlos Saboga tem uma carreira expressiva como argumentista, que começou nos anos 1980, em colaborações com António-Pedro Vasconcelos e Fernando Lopes. Mais recentemente, ouvimos falar dele a propósito de OsMistérios de Lisboa, do chileno Raúl Ruiz, ou AsLinhas de Wellington. Em 2012, e aos 76 anos, assinou pela primeira vez uma realização, para além do argumento. Photo situava-se no Portugal dos anos 1960/70, com a busca da protagonista pelo passado da mãe. Em A Uma Hora Incerta, segunda incursão como realizador, persiste o sentido da curiosidade feminina. Recuando no tempo, mas nomeando ainda os dias do fascismo em Portugal (1942) como palco da revelação de segredos entre as personagens, este filme retrata a circunstância de dois refugiados franceses, albergados por um inspetor da PIDE, no hotel fechado onde vive com a mulher acamada e a filha.
Na lógica dos espaços - os corredores vazios da hospedaria - por onde corre a filha do inspetor (Joana Ribeiro), afigura-se o desejo latente do incesto. E Saboga transpõe com subtileza os meandros da psicologia para este movimento enquadrado.
[youtube:jB8RqdCLzuk]
Retratatando a polícia política do Estado Novo
JOÃO LOPES (3/5)
Não são muitos os filmes portugueses que, directa ou indirectamente, colocam em cena a actividade da polícia política do Estado Novo. Tanto bastaria para que esta abordagem de dois inspectores que desenvolvem a num universo de repressão e manipulação moral, constituísse um acontecimento de risco. E tanto mais quanto o seu contexto - 1942, em plena guerra, com a chegada de muitas famílias de refugiados - implica um inevitável confronto com muitos clichés mais ou menos "românticos". Na dupla qualidade de argumentista e realizador, Carlos Saboga propõe uma visão enraizada num valor fundamental: a definição de cada personagem, não como um "símbolo" político, antes como uma entidade irredutível que importa compreender desde o plano ideológico até às zonas mais enigmáticas do comportamento sexual. A importância desta estreia surge reforçada pelo seu complemento: Coro dos Amantes, uma bela curta-metragem de Tiago Guedes que encena de forma original e tocante um momento de crise de um casal magnificamente interpretado por Isabel Abreu e Gonçalo Waddington.