A última saga de Wolverine

Do desgaste, da amargura e da velhice de um herói, pode nascer um grande filme.
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O realizador James Mangold percebeu que era de outra matéria que o terceiro e último capítulo de Wolverine teria de ser feito e, por isso, Logan é o mais subversivo e soberano dos filmes modernos de super-heróis (neste caso, da Marvel). Digamos que a fórmula foi corrompida em função de um espectador adulto, à procura do homem dentro do corpo mutante, que também se degrada com o tempo, física e psicologicamente.

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De barba grisalha, com dores musculares e falta de vista, Hugh Jackman dá à sua personagem de sempre a angústia expressiva, que nos abeira de uma qualquer elegia. A viver num tempo - 2029 - em que os mutantes estão a desaparecer, porque são ilegais, Logan sobrevive incógnito como motorista de limusine, passando as noites a transportar adolescentes para festas. A seu cargo tem o nonagenário Professor X, ou Charles Xavier (Patrick Stewart), com uma doença neurodegenerativa que requer medicação constante... Repare-se como a maturidade (e humanidade) do filme de Mangold está logo evidente no uso dos nomes: aqui Wolverine é somente Logan, e o Professor X é somente Charles. Os dois seguem pela longa estrada que é esta narrativa, na companhia de uma criança que tem as mesmas garras metálicas que Logan. Ela deve ser levada até um lugar chamado "Eden", onde se encontram os outros pequenos mutantes, que planeiam fugir para começar de novo. Esta será, claro, uma viagem trágica, porque há quem esteja empenhado até ao limite em apanhar os três evadidos na fronteira mexicana (a ironia dos tempos...). E é aí que se monta o road movie, mesclado de drama familiar e western. Justamente, este último é um explícito fio condutor, que parte de uma cena em que Charles vê com a miúda o filme Shane (1953), num quarto de hotel.

Doravante a mitologia americana está colada àqueles seres que procuram o destino final, mas que ainda vão atravessar cenários de robusta violência. Aliás, essa é outra das virtudes de Logan: todas as sequências de ação violenta respiram a maquilhagem digital a que estamos habituados. Aqui está-se mais perto da carne, da dor, da verdade dos corpos. Algo que permite ao filme não perder o vínculo entre a energia bárbara de algumas cenas e o apaziguamento que cresce entre Logan e a criança, e entre eles e o velho Charles. Como diz a canção de Johnny Cash, Hurt, "Todos aqueles que conheço vão embora, no final."

Inês N. Lourenço

"Os atores foram até ao limite"
Entrevista ao realizador James Mangold

Na gala do Festival de Berlim parecia verdadeiramente eufórico. Está verdadeiramente orgulhoso deste final da trilogia Wolverine, não está?

Sim, muito! E orgulhoso das relações que estabelecemos entre todos nós no filme. Foi uma das melhores colaborações entre o estúdio, eu, os atores, os produtores e os argumentistas. Tivemos muito prazer nesta rodagem. Quase que não houve discussões ou stress e todos tinham o coração no sítio certo. Queríamos fazer um bom trabalho para esta personagem.

No final da sessão disse que os atores deram tudo. O que é isso de dar tudo?

É levarem-se a si próprios a um ponto que chega a ser assustador e em que quase perderam o controlo. Os atores foram até ao limite e nem fiquei bem a perceber o que fizeram! Tal como os maiores, foram até àquele ponto em que eram canais transmissores das personagens. Abriram-se a algo mágico...

Teve muita coragem em colocar um excerto tão longo de Shane, de George Stevens...

Sou apaixonado por esse filme que é uma influência grande aqui. Pensei que dessa forma poderíamos estabelecer um diálogo com ideias de heroísmo. Shane é também sobre o que significa ser um herói? Um pai pode ser herói? O que faz um herói?

Podemos dizer que o conceito é misturar o road-movie com o western?

Tem toda a razão. Quando fiz o pitch à Fox disse que queria cruzar o Little Miss Sunshine com o Imperdoável.

De alguma forma, o filme tinha realmente de ser violento?

Os filmes com o Wolverine, mesmo os X-Men, são violentos. A diferença é que este é mais gráfico. Vai existir quem ache essa violência perturbante mas, pessoalmente, acho que é responsável. A ideia de mostrar um homem com garras a matar sanguinariamente pessoas e que, depois, tudo fica bem a seguir não me agrada. Por isso, quisemos que a violência fosse autêntica., pois a violência traz a morte.

Rui Pedro Tendinha

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