A ÚLTIMA BALA
Quando Portugal gasta as outras balas, resta-lhe sempre uma devastadora: a velocidade. Não é fácil encontrar no mundo uma equipa com avançados tão rápidos, nascidos na tradição do futebol com extremos. Tradição que desgraçadamente se está a perder na América e na Europa. Por isso, os nostálgicos derramaram uma lágrima aquando da vitória da Holanda frente à Itália. Durante quatro décadas, os holandeses foram os últimos moicanos de uma agradável fórmula. Os extremos engrandecem o campo, convertem-no num lugar mais racionalmente povoado e praticam um futebol de ataque, generoso, sem cautelas. São jogadores que dificilmente garantem um bom rendimento defensivo. Os extremos vivem no seu mundo de dribles e duelos imprevisíveis com os laterais. Mas a Holanda ganhou à Itália com um 4x4x2 e os adeptos sentiram que desaparecia uma raça.
Portugal é uma raridade porque dispõe de uma abundância quase exagerada de extremos. Alguns até se adaptaram a outras posições, mas na essência continuam a ser isso: jogadores vertiginosos, hábeis, que juntam à velocidade de ponta a surpresa que tanto castiga os rivais. Cristiano Ronaldo, Simão, Nani e Quaresma representam melhor que ninguém esta magnífica escola. São muitos e muito bons. Em Espanha, olha-se para eles com inveja e pena. O futebol espanhol, tão influenciado pela herança de Cruyff no Barça, fez do extremo uma figura essencial. Mas agora já não é assim. Só o pequeno Cazorla recorda os toques dos velhos mestres.
Portugal salvou o seu jogo feio com a República Checa pela força dos avançados. Pelo jogo, o encontro foi equilibrado, chato e mal jogado por parte da selecção portuguesa. Surpreendeu como um jogador tão medíocre como Baros, que nunca olha para o horizonte, complicou tanto a vida aos centrais. Os checos foram uma rocha e foram competitivos. Nada mais. E nos momentos decisivos não encontraram remédio contra a bala que distingue Portugal: os seus eléctricos extremos.