"A UE tem de decidir se quer ou não a Turquia como membro"
Um ano após a tentativa de golpe de 15 de julho de 2016, que balanço se pode fazer dos acontecimentos desse dia?
Com a tentativa de golpe de 15 de julho são já três os golpes a que assisti na minha vida. Mas este foi diferente dos outros. O que mais me impressionou foi o nível brutal de violência. Pela primeira vez na história da Turquia, o Parlamento foi atacado, bombardeado. Morreram nas ruas cerca 250 pessoas que tentaram resistir aos golpistas. Estes tentaram matar o presidente, o primeiro-ministro. Foi um acontecimento traumático na nossa história.
Mas a Turquia já passou por outros golpes militares, e esses vitoriosos?
Deixe-me partilhar um pequeno facto para entender a diferença. Os meus pais vivem em Ancara e na noite do golpe quando ouviram os aviões a lançarem bombas, procuraram refúgio na cave. Pensavam que era um país estrangeiro que nos estava a atacar...
Não imaginavam as forças armadas turcas a bombardearem a capital do país.
Exacto. Se para nós foi um choque, compreendo que para os estrangeiros seja ainda mais difícil de entender o que se passou.
O que estava em causa no golpe?
Temos hoje provas concretas de que a organização terrorista de Fethullah Gülen [FETO, designação adotada por Ancara para designar o movimento deste clérigo exilado nos EUA e que as autoridades turcas responsabilizam pelo golpe] esteve por detrás dos acontecimentos do 15 de julho. Decorrem neste momento 78 julgamentos na Turquia, o que por si dá uma ideia do que está em causa. Vê-se agora que a FETO estava infiltrada em todo o aparelho do Estado e o grande desafio para nós é neutralizar a sua influência ao mesmo tempo que lutamos ainda contra mais três organizações terroristas: o Estado Islâmico, o PKK [independentistas curdos], e um grupo de extrema-esquerda marxista-leninista. É um desafio tremendo combater estes grupos e ao mesmo tempo cumprir as nossas obrigações internacionais em matéria de direitos humanos...
A Turquia tem sido precisamente criticada por não respeitar os direitos humanos com as detenções, suspensões e afastamentos verificados...
O número de pessoas nessas condições pode parecer grande, mas é preciso ter presente que a Turquia tem uma população de mais de 80 milhões e estamos a falar de muito menos de um por cento da população. Certamente que há erros. Por isso, foi criada uma comissão de inquérito a nível nacional, sugestão feita pelo Conselho de Europa e que a Turquia aceitou, que entra em funções a 17 de julho e que será constituída por juízes para decidir apelos que lhe sejam dirigidos e rever os afastamentos. Haverá uma equipa de mais de 200 relatores para examinarem as situações e decidirem com caráter vinculativo. Isto não é óbice a que, posteriormente, a pessoa em causa não possa ainda recorrer para os tribunais.
Mas não deixa de ser preocupante o número de detenções...
Concordo que é complicado para um estrangeiro entender o que está a suceder. Mas estes são os factos.
Após o golpe, o governo turco manifestou por várias vezes perplexidade por nenhum dirigente internacional e particularmente europeu se ter deslocado a Ancara ou expresso a sua solidariedade. A situação mudou?
Existe atualmente maior compreensão com aquilo que se passou. Mas se é verdade que dirigentes europeus e da UE reconheceram a realidade dos factos, demoraram algum tempo a fazê-lo e mesmo as declarações iniciais da UE mencionavam "os dois lados". Como é possível? De um lado, está um governo democraticamente eleito, do outro estão os golpistas. Neste quadro, como é possível não apoiar o poder democrático?
Há alternativa à adesão à UE?
Não. Mas temos de ser membros de pleno direito. Um Estado membro como qualquer outro. A UE tem de decidir se quer ou não a Turquia como membro.
Como vê o recente voto do Parlamento Europeu a pedir a suspensão das negociações para a adesão da Turquia?
A Turquia precisa da Europa e a Europa precisa da Turquia. Quais os grandes desafios atuais da Europa? O terrorismo, as migrações e os refugiados além do envelhecimento da população. Onde está a solução? Sem a Turquia, a entrada dos refugiados não pode ser travada. Sem a Turquia, a Europa não consegue lutar contra o terrorismo. Temos bloqueado a passagem de combatentes de um lado para o outro, e prendido 15 mil. A população da Turquia ultrapassa os 80 milhões, mais de metade abaixo dos 30 anos...
Esse argumento tem sido utilizado para justificar muitas das reticências à entrada da Turquia na UE: o peso demográfico de uma nação muçulmana, além dos direitos humanos.
Mais uma vez, estamos perante uma dualidade de critérios. Não podemos mudar de religião para aderir à UE. É como se estivessem a dizer a alguém que "não gosto da sua cara. Vá fazer uma plástica". Quanto à dimensão da Turquia e ao seu peso demográfico, não podemos encolher o nosso país e não podemos matar os nossos cidadãos para sermos menos. Quanto aos direitos humanos, os capítulos 23 e 24 que respeitam a esta matéria estão bloqueados por um país...
O Chipre?
Sim. E não se podem negociar. Se do lado da UE acham que é necessário mudarmos as nossas leis, adotar critérios europeus, temos de negociar e abrir estes capítulos. O fundamental para a Turquia é prosseguir a negociação e agora todos os capítulos estão bloqueados. Mas parece que está na moda criticar a Turquia...
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