A Turquia e nós

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O recente conflito entre alguns países europeus e a Turquia, parece uma ronda avançada de um combate de peso-pesados em que os lutadores já não sabem bem como defender nem como atacar sem violar as regras gerais. Numa esquina, está o presidente turco Recep Tayyib Erdogan que tenta convencer os seus compatriotas residentes na Europa da necessidade de transformar o estado turco num regime presidencial autocrático. No outro lado, estão estados europeus como a Holanda e a Alemanha que não querem que membros do governo turco possam fazer campanha nos seus países por uma causa que vai contra os princípios democráticos da União Europeia.

Concordo com a visão dos políticos holandeses e alemães, porque não acredito que o caminho que Erdoggan escolheu para a Turquia vai trazer paz, liberdade e segurança para o país e para toda a região. No entanto, no caso da Alemanha noto uma certa hipocrisia pois parte do problema atual resulta também do modo como as autoridades alemãs trataram a comunidade turca por várias décadas.
Atualmente vivem três milhões de cidadãos de origem turca na Alemanha, representando o maior grupo de imigrantes naquele país. Quando os imigrantes turcos (portugueses e outros) começaram a chegar em massa à Alemanha nos anos 60, foram tratados como gastarbeiter, "trabalhadores visitantes", sendo convidados através de acordos bilaterais a fornecer mão-de-obra relativamente barata à indústria alemã.

De facto, a maioria dos trabalhadores voltou ao seu país de origem depois de ter cumprido o seu contrato. Ainda assim, houve muitos "visitantes" que ficaram sem que o estado alemão tivesse desenhado uma política eficiente para os integrar na sua sociedade. Neste contexto, era visto como normal que políticos turcos fizessem a sua romaria à Alemanha para fazerem campanhas eleitorais junto da comunidade turca. Como eram gastarbeiter, não participaram politicamente na Alemanha e mantiveram o seu direito de voto na Turquia.

Felizmente, a Alemanha acordou e implementou várias reformas para incentivar a integração dos emigrantes, entre elas a reforma do direito à nacionalidade alemã, que desde 2000 permite aos filhos dos imigrantes nascidos na Alemanha adquirirem a dupla nacionalidade. Mais, todos os imigrantes podem, depois de alguns anos a viver na Alemanha, pedir a nacionalidade alemã desde que provem ter bons conhecimentos linguísticos e um bom comportamento social, perdendo no entanto a sua nacionalidade de origem. Existem, porém, muitos imigrantes turcos que não querem perder a sua nacionalidade de origem, o que faz que estes continuem a ser um eleitorado importante para políticos com sede de poder como Erdogan.

Há uma solução fácil para este problema: Simplesmente temos de separar o conceito de nacionalidade do conceito da cidadania. Para mim, fazia muito mais sentido poder votar nas eleições gerais em Portugal em vez de votar (por correio) na Alemanha, pois é nas terras lusas que eu vivo e contribuo para a construção de um futuro mais próspero, mesmo que seja só pelo facto de pagar impostos aqui. Aliás, nunca percebi porque é que os presidentes portugueses nas suas mensagens de Ano Novo se dirigem exclusivamente aos "portugueses". E eu? E os outros quase 400 000 imigrantes legais neste país? Contamos menos para o Portugal de hoje do que um emigrante português que há 45 anos não vive aqui, que paga impostos na Alemanha e que se calhar nunca mais vai voltar ao seu país de origem? Porque é que na Europa não é possível que um cidadão possa eleger o governo do país onde vive, independentemente da sua nacionalidade? No Chile é possível. Porque não na Europa?

Acredito que poderia haver diversos efeitos positivos. Primeiro, iria ajudar na construção de uma Europa que não se define pelas diferentes nacionalidades, mas sim pelos valores que unem as pessoas, tais como a liberdade, a democracia e a prosperidade, o que inclusive ajudaria diretamente no combate aos nacionalismos e populismos e na formação de um verdadeiro espírito europeu. E por último, a Europa ia ver-se livre de demagogos como Erdogan que brincam ao gato e ao rato com os princípios fundamentais do nosso continente, só porque continuamos a acreditar que ser português, alemão ou turco é mais importante do que ser um bom cidadão.

Jornalista, a trabalhar em Portugal para a Deutschland-radio

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