A tocha que nos aquece

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É um caso de pequeno pretexto que foi ultrapassado, e engrandecido, pela História. A Estátua da Liberdade começou por ser uma homenagem oficial à amizade entre dois povos (que nascera com o apoio do marquês de La Fayette à Independência americana) e rapidamente se tornou um símbolo universal. A razão? O extraordinário movimento humano que andava pelo mundo. Vejam só estes dois exemplos: entre 1875 e 1915, emigraram 14 milhões de italianos; num século (1830-1930) entraram nos Estados Unidos 4,5 milhões de irlandeses. Colocada na foz do rio Hudson, na boca da América, a Estátua da Liberdade estava bem colocada para ver esse movimento. E desde cedo o simbolizou. Ela foi inaugurada em 1886, e por isso, 125 anos depois, hoje se comemora. Mas esse ano também pode ser lembrado por isto: os arménios reclamaram a sua independência da Turquia, o que ocasionou uma vaga de pogroms. Muitos anos depois, em 1963, Elia Kazan, grego nascido em Constantinopla (então capital turca, hoje chamada Istambul), realizou o filme América, América. A história de Stravos, um jovem grego, marcado pela perseguição aos arménios na Anatólia e que sonhava com a terra das oportunidades. Nas cenas finais, Stravos, na amurada do navio, olha para a Estátua da Liberdade e murmura o seu sonho conseguido: "América, América"... Ele não leu, mas no sopé da estátua há um poema gravado. Escreveu-o uma filha desse eterno desejo dos exilados encontrarem uma terra a que possam chamar sua. Emma Lazarus era uma sefardita, pertencente à secular tribo nova-iorquina A Nação, de judeus portugueses na América. Emma chama à estátua Mãe dos Exílios, e em dois dos versos a poeta diz que a poderosa mulher de pedra diz ao mundo: "Dá-me os cansados, os pobres/ Os povos encurralados ansiando por respirar a liberdade." Evidentemente, uma prece, um desejo, porque nenhum mundo é perfeito: em 1886, nesse ano da inauguração, o índio Gerónimo é preso na Florida e, na outra costa, em Seattle, há motins contra emigrantes chineses. Mas o fogo simbólico da tocha, no braço erguido da estátua, ilumina-nos para lá dos factos.

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