A terra de Medeiros/Lucas será nossa em breve
Sábado. É final de dia de trabalho e de uma Lisboa que consome em bom, que ocupa as horas da noite e pede esforço para que o dia avance. Pedro Lucas e Carlos Medeiros terminam mais uma das sessões que vai dar origem a Terra do Corpo, o novo disco que será editado no início de abril (dia 5, sejamos exatos).
Medeiros/Lucas, a dupla que é nome de grupo e que assina a obra digere um cansaço conquistado com prazer. Eduardo Vinhas, no estúdio Golden Pony, vai moldando e ajustando os muitos detalhes. E um novo conjunto de canções ganha forma. "O processo todo de Mar Aberto consumiu mais ou menos um ano e meio. Quando saiu já estava um pouco cansado das canções." É Pedro Lucas quem o confessa. Por isso que ninguém estranhe que tenha apenas passado um ano desde que ouvimos o disco anterior destes imparáveis criativos. "Tínhamos de o fazer" é o que nos dizem e é a melhor das explicações.
Um disco mais de pele
Havia a ideia de trabalhar com João Pedro Porto, essa era a primeira pista para o novo trabalho. "Fomos discutindo, foram aparecendo ideias e ao mesmo tempo queria fazer uma coisa mais imediata, que ocupasse menos tempo, e que representasse um mudança de método." Pedro Lucas gosta de se atirar contra o desafio. Foi dele O Experimentar na M"Incomoda (2011), inspirado no Cantar na M"Incomoda que a voz de Carlos Medeiros tinha gravado em 1998. Foi dos dois o Mar Aberto, que no ano passado saiu dos Açores para querer descobrir o mundo embarcado em canções que arriscavam tudo num sonho pop enevoado e cativante. A tradição a querer ser apenas o ponto de partida para tudo o resto. E é de ambos, mais uma vez, um novo álbum que os seus donos quiseram partilhar mais - "é mais coletivo, mais de pele, em que tudo contribui para o mesmo bolo, menos feito de viagens interiores e existenciais como era o anterior", explicam os músicos.
E o que será este novo disco? É mais banda e mais robusto. Pedro Lucas é maestro mas escolheu "apresentar ideias ainda mal feitas, só com uma pequena estrutura, para depois os arranjos e toda a dinâmica aparecer antes dos ensaios para as gravações". Para o Pulmão, canção que ouvimos como se fossemos intrusos num segredo ainda por revelar, Carlos Barreto está no contrabaixo de um tema que é um tremendo abanão de terra. "O Carlos não tinha ouvido nada e depois isto saiu assim, como está." Lucas dá-nos esta explicação e ficamos à espera - ansiosos - para conhecer o resto desta Terra do Corpo que em breve teremos como nossa.
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Quanto às letras, repetimos aqui o nome de João Pedro Porto, o autor de, entre outras obras, Porta Azul para Macau, romance que conquistou muitos, que também conquistou os heróis de Medeiros/Lucas. É Carlos Medeiros que lhes dá a voz, a tal que não canta mas que também não fala, que se perde entre os dois verbos com pés de chumbo e garganta a boiar em gravilha, quente mas nunca áspera, daqueles paradoxos que dá gozo conhecer. "Ele enviava ideias, nós respondíamos, um bate-bola constante sem conceito nenhum à partida", diz-nos. "Depois é interpretar, é tornar aquilo coisa nossa", ou seja, embarcar num privilégio que também é uma conquista.
Banda de peso
Em 2011 foi o tempo da música tradicional reinterpretada. Com Mar Aberto as composições originais surgiram para embalar poesia antiga. Agora, com Terra do Corpo, há uma banda de peso inteiro a atirar-nos poesia contemporânea sem que possamos escapar-lhe. Também há convidados - Tó Trips e Rui Carvalho (Filho da Mãe) nas guitarras sem trela, Selma Uamusse e António Costa (dos Ermo) nas vozes sem par, Carlos Barreto e a banda formada por Ian Carlo Mendoza, Luís Lucena e Augusto Macedo - e tudo isto junto faz do novo disco um momento precioso, ainda antes de o termos por perto.
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