A teoria da bicicleta

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Faz agora dois anos que, por iniciativa francesa, nascia em Praga uma nova entidade política, batizada de Comunidade Política Europeia (CPE), um fórum alargado que "procura explorar o potencial de convergências à escala continental", tendo em vista ultrapassar desafios globais partilhados que vão desde a guerra na Ucrânia, às alterações climáticas e à crise energética. De lá para cá, esta CPE mal fez prova de vida. Já houve duas cimeiras, e o grande sucesso da segunda foi o anúncio da terceira. É aqui que estamos: Os (27) líderes da União Europeia e dirigentes de outros 20 países do continente voltam a reunir-se esta semana, em Granada, mas não valerão o custo da viagem se desperdiçarem a oportunidade de refletir sobre que futuro querem para a Europa e quem cabe dentro dela.

O ponto de partida incontornável desta cimeira é a mudança radical que se vive na Europa desde a invasão da Ucrânia, um fator que fez desacreditar todos da criação de uma zona cinzenta e pacífica que pudesse servir de tampão entre a União Europeia e a Rússia. E, não podendo os 27 ignorar o que acontece nas suas fronteiras, é o velho tema do alargamento da União que volta a estar na ordem do dia. À porta do Clube - que começou com seis sócios fundadores, os mais ricos; que cresceu para 12 com a entrada de Portugal e Espanha; e vai agora com 27, depois da adesão da Croácia há 10 anos - alonga-se uma fila de mais oito candidatos: Albânia, Bósnia-Herzegovina, Macedónia do Norte, Moldávia, Montenegro, Sérvia, Turquia e Ucrânia. À porta do Clube continua o aviso de que "é reservado o direito de admissão", porque são muitas, são fortes e notórias as razões que sustentam as posições mais relutantes sobre um próximo alargamento: os candidatos não estão preparados e a União também não. Este ponto de partida não pode, porém, ocultar os riscos de uma nova expansão: todos os candidatos têm enormes problemas, alguns tão graves que tornam inconcebível a sua entrada num futuro próximo. E na mente dos mais comedidos pairam ainda os casos dolorosos da Polónia e da Hungria que, depois de terem aderido à UE, sofreram regressões democráticas que a União dificilmente consegue mitigar.

É claro que no passado entraram países que não estavam prontos, como a Roménia e a Bulgária. É claro, também, que há casos terrivelmente complicados entre os candidatos, como a Ucrânia em guerra, a Geórgia e a Moldávia desmembradas, a Bósnia disfuncional, e o Kosovo que nem sequer é reconhecido por alguns membros. Mas do que se trata, agora, não é de apressar novos tratados de adesão, mas de estabelecer compromissos vinculativos. A última admissão, a da Croácia, ocorreu há uma década. Durante algum tempo, a lógica aconselhou a adiar um novo alargamento até que os problemas causados pelo anterior estivessem resolvidos - com a preocupante reversão da Polónia e da Hungria - e com desafios formidáveis que, entretanto, desabaram sobre todos, como a pandemia. Mas a invasão da Ucrânia muda tudo. A tática dominante aponta agora para acolher país por país. Manter aberta a porta da integração é, em qualquer caso, uma mensagem de peso para todos eles: valerá a pena o esforço para cumprirem os requisitos. Fechar-lhes as portas sine die seria enviar-lhes a mensagem contrária.

As eleições europeias, dentro de nove meses, hão de esclarecer melhor sobre a dimensão da frente global de democracias diante do poder crescente dos nacionalismos populistas e das novas autocracias.

Até lá, guiados mais pelo sonho que pelos medos, as conclusões da Cimeira que ocorre esta semana só podem confirmar o velho postulado que inspira os espíritos dominantes na burocracia da União: é a teoria da bicicleta, segundo a qual tombam ela e o ciclista se ela parar de andar em frente.

Jornalista

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