A televisão na Europa continua nos anos 50
Que sentido faz, num mundo digitalmente ligado, continuarem a existir fortes restrições regionais relativamente aos conteúdos televisivos? No dia em que as normas europeias passam a obrigar a que todos os conteúdos digitais pagos estejam disponíveis ao cliente por todo o espaço comunitário - norma positiva que só peca por tardia -, convém lembrar que, tal como acontecia em meados do século passado, nem todos os cidadãos europeus são iguais relativamente àquilo que podem ver (e ouvir ou ler) legalmente.
A alteração à lei entra em vigor hoje, domingo, 1 de abril. Os operadores de telecomunicações passam a estar obrigados a garantir que os seus clientes têm acesso, em qualquer país da União Europeia, aos mesmos conteúdos e serviços digitais que teriam se estivessem em casa (mais pormenores AQUI).
A disponibilização do catálogo do país de origem do cliente não impede, se os operadores o quiserem, que sejam também apresentados os conteúdos exclusivos do país onde o utilizador se encontra provisoriamente. Assim, por exemplo, se for de férias a França e se se ligar à sua conta Netflix, a lei obriga a que tenha à disposição todas as séries que encontra cá. Também encontrará outras que esta plataforma de streaming disponibiliza para território gaulês. Enquanto lá estiver, poderá vê-las, mas não deixe alguns episódios para depois das férias, pois quando voltar a casa não os encontrará (legalmente, claro).
A divisão do mercado de direitos de transmissão continua agarrada a lógicas dos anos 50 do século XX. À época, na Europa, a questão era até mais colocada no plano político do que comercial, com as grandes preocupações de "proteção da identidade cultural" que obrigaram à dobragem dos conteúdos estrangeiros e levaram a que pelo menos duas gerações de europeus mal tivessem contacto com outra língua que não a sua, com o consequente empobrecimento intelectual que tal acarreta.
Hoje, a questão é essencialmente comercial. Quem compra os direitos de certos conteúdos precisa garantir o retorno do investimento e para isso continua a aplicar-se a lógica do antigamente - que ao mesmo tempo garante ao criador/produtor a possibilidade de vender o mesmo bem múltiplas vezes no espaço europeu. Ganham todos... menos os consumidores, que continuam sujeitos a imagens como a que vê em baixo - num cartoon do genial XKCD -, que evoca o que é, provavelmente, a página de internet mais irritante que existe.
(cartoon disponível em https://xkcd.com/1969/)