A tacada perfeita
Há momentos felizes na história de cada homem e João Nicolau de Almeida não podia ser exceção. Angariador sobretudo de bons amigos, de convívio fácil e sempre caloroso, andou toda uma vida ligeiro no seu trilho, sem jamais sucumbir às adversidades. Filho do famoso Fernando Nicolau de Almeida, conhecido como pai do Barca Velha, do qual de facto foi o principal responsável, ao serviço da Casa Ferreirinha (hoje integrada na Sogrape), João conseguiu o impossível: ser pelo menos tão magnético e carismático como o seu pai. Sempre que fala de vinhas, vinho ou família, os olhos humedecem-se-lhe e brilham como os de uma criança perante um brinquedo desejado. Sabemos que há pessoas assim, a quem vale muito a pena proporcionar bons momentos, porque retribuem com uma felicidade infinita. E é felizes que nós queremos os criadores. No dia 4 de julho de 2013, na histórica livraria Lello, no Porto, ele era um homem profundamente feliz.
Cumprir um desígnio familiar
A história do novo vinho começa em 1993, quando João Nicolau de Almeida identificou no Douro Superior um cabeço de xisto que reunia as condições ideais para fazer um grande vinho. Teve desde logo o impulso de o comprar, mas ao informar-se sobre quem seriam os proprietários, deu com uma situação inesperada, apesar de comum no Douro: aquele pedaço de terra era de muitos, cada um com o seu pequeno talhão. Seguiu-se um longo período de negociações com os diversos microproprietários, após um trabalho de campo paulatinamente executado pelos seus filhos no sentido de saber quem eram e onde estavam. Conseguiu-se finalmente definir a Quinta do Monte Xisto. O nome era evidente porque, como explicou o enólogo, «a vinha tem dez hectares e é literalmente um monte de xisto». Xisto duriense, que deve já fazer parte do património genético da família. «Os meus filhos cheiram a vinho», dizia jocosamente, para expor a sua tese de que «as pessoas do vinho atraem as pessoas que gostam de vinho». Ele próprio descende de duas famílias vinhateiras, o seu pai, um dos homens fortes da Ferreirinha, casou com uma Ramos Pinto, casa onde o próprio João Nicolau de Almeida viria a oficiar ao longo de vários anos. A sua mulher, Graça, tem diversas ligações familiares ao vinho. O seu filho Mateus é o que considera protótipo do vigneron, já que faz os seus próprios vinhos a partir de vinhas que administra e trabalha com as suas próprias mãos. João trabalha em vinhos, na quase vizinha Quinta do Pessegueiro e Mafalda ocupa-se dos departamentos de comunicação e cultura da nova empresa. Todos envolvidos, todos do vinho.
«Para mim sempre foi evidente que um dia tinha de fazer um vinho de família», afirma João Nicolau da Almeida. A vinha que foi plantada em 2005 no recém-nascido terroir tinha de cumprir um conjunto de requisitos, evidentes e indiscutíveis para todos. «Optámos pelo modo biológico de produção, com princípios extraídos da biodinâmica.» Depois, foi mãos à obra, para plantar os dez hectares de vinha que escolheram de entre os quarenta de área total da propriedade. A escolha das castas recaiu no elenco Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinto Cão, Tinta da Barca, Tinta Francisca, Souzão e Tinta Roriz, no capítulo das tintas; e Rabigato, nas brancas. O sistema de plantação adoptado foi ao alto, de resto introduzida pelo próprio João Nicolau de Almeida no Douro. Saliente-se, a propósito, que também a elencagem das que são consideradas as melhores castas do Douro lhe é devida, por um extenso e profundo estudo que levou a cabo no passado. «Naturalmente, a vinha nunca levou herbicidas e a plantação fez-se de forma a que as videiras lançassem as suas raízes bem fundo, para procurar uma alimentação hídrica regular.» Considera que «é essa espécie de luta pela vida que dá origem a um fruto com personalidade forte e única». Discurso de quem tem uma vida inteira dedicada à produção de grandes vinhos.
Um vinho de gerações
Dando voz aos fundamentos comuns ao pensamento de todos os membros da família, a vinificação seguiu uma linha minimalista de intervenção. «O vinho começa a fazer-se na vinha», diz João Nicolau de Almeida, continuando: «quanto mais simples é o processo de vinificação melhor revela o vinho o seu terroir». Assim, as uvas do novo vinho foram vinificadas em lagares de granito com pisa a pé, tendo depois estagiado em pipas de carvalho francês e austríaco. No lote de 2011, entraram apenas as castas Touriga Nacional, Touriga Francesa e Souzão.
Quando chega o momento solene de provar o vinho, acende-se o olhar com «aquele brilhozinho» nos olhos e confirma a sua estirpe ao propor uma forma diferente de explorar o vinho, com um paralelo com o golfe, seu desporto de sempre. O aroma corresponde à preparação da tacada, em que os olhos estão fixos na bola e antecipamos a sua trajetória com a nossa imaginação e experiência; é a plêiade de aromas e sensações, tão pessoais e específicas de cada um. Quando o taco bate na bola, há a transmissão da força e do swing, que determina toda a evolução e alcance da trajetória. É o momento que corresponde à entrada do vinho na boca, e ao momento em que se lhe sente a força, elegância e harmonia; o movimento da tacada no golfe, tal como a prova de boca, tem de ser harmoniosa. Finalmente, a continuação do movimento do taco após a tacada corresponde ao que se sente no fim de boca. Aroma e sabor e gosto, está tudo junto e é só então que nos é dado perceber o alcance e qualidade do vinho, tal como do golfista que acabou de executar a tacada. Depois desta genial comparação, provou-se o vinho e viu-se como era tacada de boa cepa, dada por quem sabe. Elegância e frescura, com um final de prova muito longo, sempre em equilíbrio. Produziram-se 3500 garrafas deste vinho, com um preço anunciado de cerca de 65 euros. Está de parabéns a família, a quem desejamos tacadas sempre certeiras e bonitas como esta.