A sua escola tem amianto? ZERO e MESA lançam plataforma de denúncias

Por ano, mais de cem mil pessoas no mundo morrem com casos de cancro que derivam do amianto. As estatísticas levaram a que a União Europeia decidisse proibir a utilização deste material em novas construções em 2005. Mas, em Portugal, ainda há pelo menos 42 escolas onde está presente.
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Em julho deste ano, das 192 escolas que o Ministério da Educação tinha sinalizado com amianto ainda restavam 42 à espera de intervenção. E a SOS Amianto defendia que era quase certo que a remoção deste material - avançada como uma das maiores bandeiras da tutela para a anterior legislatura - não ficaria concluída até às eleições. A previsão confirmou-se. Por isso, no início deste ano, o Sindicato de Todos os Professores (STOP) convocou uma greve para todos os professores e funcionários interessados, que se irá prolongar até 22 de novembro. Face àquilo que considera ser a inércia do governo, no final de outubro, a Fenprof anunciou que irá para tribunal contra Estado pelos escolas com amianto. Agora, a associação ambientalista ZERO e Movimento Escolas Sem Amianto (MESA) decidiram juntar-se à luta, através da criação de uma plataforma de denúncias, lançada esta quinta-feira.

O objetivo da iniciativa, designada Há Amianto na Escola, "é criar uma lista de âmbito nacional e ajudar as comunidades educativas a reivindicar junto das entidades competentes a remoção de amianto dos respetivos estabelecimentos escolares", escrevem em comunicado. Quer escolas públicas quer privadas podem apresentar denúncias, através do e-mail amiantonaescola@gmail.com ou de um formulário disponibilizado online. A queixa será depois acompanhada e verificada pelas associações responsáveis pela iniciativa.

Em entrevista ao DN, em julho, a coordenadora da SOS Amianto e do Centro de Informação de Resíduos da Quercus, contava que todas as semanas recebe denúncias de vários estabelecimentos de ensino preocupadas com a presença de amianto. Carmen Lima explicava ainda que, quando o ministério se comprometeu a removê-lo das escolas, falhou na identificação daquelas onde este material estava presente. "Houve uma falha muito grande na identificação, porque só se identificou as coberturas. E já se provou muitas vezes que o amianto também é utilizado em revestimento de janelas ou em pavimentos de vinil, por exemplo", dizia.

Aliás, no formulário disponibilizado online pela MESA e pela ZERO, é disponibilizada uma série de opções para identificar onde encontra o amianto na escola em questão: se é amianto projetado, revestimento de condutas, tinta texturada, placas de teto falso, portas corta-fogo, pavimento vinílico em mosaico, fibrocimento em coberturas, condutas/cordões/divisórias.

De acordo a arquiteta e membro da ZERO, Íria Roriz Madeira, "a dimensão do problema é porventura bastante maior do que o que as entidades oficiais reportam, pelo simples facto de o diagnóstico efetuado às escolas ser baseado, sobretudo e quase exclusivamente, na presença de fibrocimento, existindo muitos outros materiais potencialmente contendo amianto que podem não ter sido removidos nas escolas já sujeitas a intervenção onde apenas foi identificado e retirado o fibrocimento".

A MESA e a ZERO comprometem-se a fazer chegar todas as denúncias às entidades competentes e reivindicar a necessidade de intervenção nas mesmas.

Cerca de 40 casos de cancro por ano

São milhares as construções públicas e privadas que em Portugal contêm amianto, um material considerado cancerígeno. Por ano, morrem mais de cem mil pessoas no mundo com casos de cancro que derivam do amianto, o que levou à proibição deste material em novas construções na União Europeia, em 2005. Mas ainda é preciso erradicar todo o rasto de amianto deixado entretanto, em escolas, mas também hospitais, teatros, museus, empresas, entre outros.

As primeiras utilizações decorreram nas décadas de 1940 e 50 do século passado, quando as fábricas produtoras deste material chegaram a Portugal. A boa fama de uma fibra com características como nenhum outro material existente deu-lhe proveito e passou a ser a figura principal na área da construção. Não só é um eficaz isolante térmico e acústico, como é económico. "Na altura, não havia nenhum produto no mercado tão bom como este", lembra a coordenadora do Centro de Informação de Resíduos da Quercus. "Como era resistente ao fogo, utilizámos para proteger aquilo que mais queríamos ver protegido. E protegemos tanto que acabámos por prejudicá-lo."

Carmen Lima explica que na altura da expansão do material no país ainda "não se sabia o perigo subjacente". Eram ainda rumores que circulavam pela Europa. Só na década de 1990 é que se conseguiu provar a relação entre o amianto e o aparecimento de doenças como o cancro do pulmão, da laringe e gastrointestinal, conta. No ano passado, a Organização Mundial da Saúde incluiu também o cancro dos ovários nesta listagem, devido à utilização de amianto em pó de talco.

Em Portugal, o mesotelioma (cancro provocado exclusivamente pela exposição ao amianto) gera perto de 39 casos por ano, número que "tem crescido" e as "previsões apontam para que cresça ainda mais nos próximos anos". Atualmente, são 39, mas a especialista acredita que serão muitos mais, devido à falta de conhecimento sobre o tema, que leva a falsos diagnósticos.

"Confundimos muitas doenças pulmonares com doenças provenientes do amianto. Por exemplo, basta a pessoa fumar para associar a doença que tenha ao tabaco", disse. "Suspeita-se de que muitos cancros do pulmão estejam mal diagnosticados e sejam, na verdade, mesoteliomas."

Estão mais sujeitos aqueles que diariamente contactam com amianto. Carmen Lima conta que, em Inglaterra, "veio a verificar-se que os professores tinham mais cancros do que outros profissionais de outras áreas" e que muitos deles tinham sido diagnosticados com cancro pulmonar. "Houve escolas que foram mesmo encerradas", pois a presença de amianto existia em tão grandes quantidades que "ficaria mais caro reconstruir a partir do que existia, com a remoção do amianto, do que fazer uma nova escola de raiz".

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