A sombra das orelhas de burro

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A notícia de que Bruxelas nos retirou do procedimento por défice excessivo (PDE) foi celebrada como um feito único. Uma vitória na Eurovisão, um tetra inédito para o Benfica, uma Igreja a santificar pastorinhos. Parecemos gigantes, a crescer 20 centímetros por cada vitória.
Acontece que estar, ou não estar, em PDE é bastante mais importante do que cantar bem, jogar bem ou ter santinhos. Diz tudo sobre a forma como o Estado gere a riqueza produzida pelos empresários e pelos trabalhadores. Se lhes tira parte substancial dessa riqueza e, ainda assim, tem grandes défices e com isso um aumento da dívida, entra em PDE. Pertencendo ao euro, são-lhe colocadas umas orelhas de burro e fica virado para a parede até que prove que está verdadeiramente arrependido pelo mau comportamento. É mais ou menos consensual que quem cobra impostos colossais e, ainda assim, deixa refém a economia de um país por excesso de endividamento é burro.
O "esperto" com orelhas de burro não recebe uma condenação perpétua para ficar virado para a parede. Quando verdadeiramente dá sinais de querer corrigir a trajetória, é-lhe permitido tirar as orelhas e regressar à sua autonomia controlada. Quem se porta mal, fica sempre em vigilância, porque a repetição consecutiva do mesmo erro, a certa altura, torna impossível a correção desse erro. Por se tirar as orelhas ao burro, ele não fica automaticamente inteligente!
Quem tem razão para festejar, cada vez que um país do euro sai do PDE, são todos os países que nunca lá entraram. Esses sim, sempre viram o burro de costas com as orelhas a desenhar uma sombra na parede. Por isso podem festejar. Nós por cá, preferimos fazer de conta que a responsabilidade não é coletiva, quer quando entramos, quer quando saímos. Gostamos dos jogos de sombras, em que as orelhas ficam sozinhas na parede, sem cabeça que as segure, cada vez que muda o governo. A culpa nunca é de ninguém, já o mérito tem uma fila de pais exigindo que se lhes reconheça a paternidade. Haja paciência!

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